Olha-me diretamente nos olhos. Não para os meus pés. Não
para as minhas mãos. Olha-me diretamente nos olhos. É lá que estão as lágrimas
que plantaste no meu coração. É por lá que escorrem e se estendem e expandem.
Por isso, se fazes favor, larga o teto, o chão, as paredes. Olha para mim.
Olha-me diretamente nos olhos.
Se choro é porque magoa. Não é porque quero que tenhas pena de
mim nem porque fantasio ver o arrependimento no teu rosto. Se choro, é porque
algures, no centro dessa tua insatisfação constante com o mundo, saí ferida. E
a dor, aprende: ela permanece nos recantos do meu corpo, sem dar tréguas e
acumula e escorre pelos olhos na forma de água e sal.
Então, se a culpa é tua, se me fizeste chorar, não me faças
sentir que tenho de esconder o rosto na almofada ou de limpar a cara com as
mãos tristes e fingir que estou bem. Se a culpa é tua, pelo menos olha-me para
o rosto erguido, onde deixo correr livremente o rio das desilusões. Olha para
mim. Olha-me diretamente nos olhos.
Eu sei que a imagem do céu, do mar, das pessoas te conforta.
Mas não olhes para o conforto. Olha para os meus olhos. Olha para o local onde
semeaste terrores maiores que o tempo. Olha para eles e sente, ainda que
momentaneamente, aquilo que também eu sinto. Não é conforto. Não é felicidade.
Então, não: não sinto céus e mares e pessoas. Porque não foi nada disso que me
deste. Deste-me apenas o motivo das lágrimas. E o motivo das lágrimas é a dor.
E eu não fiz por merecer a dor. Pois não?
Não te acobardes atrás de olhares de soslaio para aqui ou
ali. Não te indignes com o rosto molhado da pessoa que feriste. Encara-o.
Encara-me. Olha-me diretamente nos olhos.
Para que queres tu a paz que me roubaste? Serve-te, agora,
de consolo? Para que a queres? Porque não quiseste antes, quando dos teus
lábios saía apenas o desatino frio das horas, as palavras duras e impensadas,
gritadas, ecoando pelos recantos trémulos de ti. Se me deste a raiva, deixa que
te pague em lágrimas. Aceita o retorno com a mesma força que imprimiste nessa
desnecessária amostra de cólera.
Olha-me diretamente nos olhos. Espelhos descontentes do teu
próprio rosto enfurecido. Espelhos diluídos das palavras que disseste. Não
busques o conforto do que não é reflexo de ti. Não busques o conforto do que
não te chora a brutalidade louca dos momentos que passaram há dois segundos
atrás. Estou aqui. Olha para mim. Olha-me diretamente nos olhos.
Não vou baixar o rosto. As tuas palavras eram negras. As
minhas lágrimas são transparentes. As tuas palavras eram cobardes. As minhas
lágrimas são fortes. É por isso que não deixo o olhar quedar no chão. É por
isso que, mesmo chorando, de olhos desfocados e loucos, olho para a tua busca
constante pelo conforto. Não procures. Olha para mim. Olha-me diretamente nos
olhos.
Olha-me diretamente nos olhos. Lá, onde estão as lágrimas
que plantaste no meu coração. Porque elas estão lá por isso mesmo. Porque tenho
coração. Porque to dei. Porque sabes que podes plantar nele o que quiseres.
Porque hoje escolheste plantar nele a dor e não consegues, sequer, olhar-me
diretamente nos olhos.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet