terça-feira, 31 de julho de 2012

O teu nome



O oceano ecoa o teu nome. Pedi o silêncio, para poder dormir esta noite. Mas ele ecoa o teu nome na rebentação das ondas. Chama por ti. Acorda-me os sentidos.
Não lhe bastou o que nos fez. Não lhe bastou atirar-me para os teus braços e colar os meus lábios aos teus, destruindo tudo o que eu levara tanto tempo a construir. Não lhe bastou condenar-me outra vez, com esse encanto devoto de um amor sem retorno. Ele ecoa o teu nome em cada onda que rebenta na areia húmida da praia.
Dou por mim a culpar o mar. Quem mais teria culpa da minha infelicidade? Quem mais poderia ter enfeitiçado a minha alma? E surge o som da calúnia nos meus lábios pagãos, que amam a água. Como pode o meu mar ter-me traído?
O oceano ecoa o teu nome na noite. E o seu som chega até mim tal como música. Cada acorde com a naturalidade corrente de um sem fim de saudosas ilusões. Durmo, sim. De lágrimas nos olhos e desespero no peito. Com o teu nome nos ouvidos e no coração.
E, a cada onda, sinto no meu peito o desapego da realidade e o desejo cada vez mais forte de me afogar no mar salgado das minhas lágrimas. Ouço o mar chamar por ti. E sei que é ilusão. Ainda assim, quero viver de ilusões ou não viver de todo.
O oceano ecoa o teu nome. E sou eu que lhe respondo, tentando fazê-lo entender que não podes ouvi-lo, da mesma forma que não podes ouvir os gritos desesperados da minha alma. E o mar chora comigo. Lágrimas de sal. Lágrimas de saudade. E eu tento consolá-lo com palavras vãs.
O oceano chama por ti. Ecoa o teu nome por entre o negrume da noite. Dormir e sonhar. Afogar-me nesse mar e morrer com o teu nome nos lábios que sorriem. O oceano ecoa o teu nome e não o ouves. Mas eu ouço-o e invento palavras para que ele te perdoe. E, de alguma maneira, embora chame desesperadamente por ti, o mar perdoa-te todas as noites, exactamente como a minha alma aprendeu a perdoar-te todos os dias, sem sequer entender porquê...

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 24 de julho de 2012

Gaveta de sonhos



Não. Não é pelas coisas que eu quero. Não acalentas as minhas esperanças e não constróis os meus sonhos. Na verdade, por vezes, és o primeiro a destruir tudo aquilo que eu teria desejado para mim. Mas está tudo bem. Nunca fui tão feliz.
Aprendi a ser feliz contigo. Com os teus olhos tristes, atirados para trás da máscara eterna do riso e da alegria. Aprendi a ser feliz com o teu toque dançado, que fazia valsas pela minha pele e me tartamudeava melodias mudas aos ouvidos. Aprendi a amar no desapego do inevitável.
Não foi nem nunca há-de ser pelas coisas que eu quero. Eu quero o que fica além do horizonte. Quero ter a altura das estrelas, a profundidade dos oceanos, a luz do sol. Não podes. Ninguém poderia, ainda que tentasse, dar-me tudo aquilo que eu quero. Eu quero depender de mim. Eu quero a liberdade. Eu quero a independência da fuga e a constância de não haver rotina.
Paris. Cairo. Edimburgo. Londres. Toulouse. Salem. Minas Gerais. Eu quero conhecer o Mundo. Quero conhecer as pessoas do Mundo. Quero escrever. Quero ter asas nas mãos fechadas ao redor de uma caneta. Quero conhecer a imensidão de um amor maior do que o tempo. Quero ver tudo. Sentir tudo. Saber tudo. Por isso não... não é pelas coisas que eu quero. É pelo nada...
O nada é assim: feito de tudo o que eu nunca quis. Feito de coisas pelas quais não teria dado um passo. Criado no negrume de coisas que podiam ser-me indiferentes ou das quais, simplesmente, teria dito não gostar. E tu acalentas esse nada. Contigo, não preciso de conhecer o Mundo. Contigo, não preciso de conhecer as pessoas do Mundo. Contigo, não preciso de fazer da caneta a minha amiga de todas as horas nem de desejar viver um romance de cinema. Contigo, o sonho sonhado morre. Contigo, a vida começa a virar um sonho.
Não. Não é pelas coisas que quero. Qualquer um podia entrar na gaveta dos meus sonhos de criança e brindar-me com mil promessas de perfeição. Mas tu entendes a simplicidade dos espaços brancos da gaveta. E ensinas-me a ver, nesses espaços, as pessoas e os mundos que ficam perto de mim. E, quando me apercebo, não quero ser livre. Quero ser prisioneira dos teus braços, depender de ti, precisar da tua protecção. Quando me apercebo, quero a rotina. Uma rotina de dias que comecem nos teus braços e acabem nos teus braços, venha o que vier pelo meio.
Não. Não é pelas coisas que eu quero. É porque és o único que me faz querer coisas que eu não sabia que queria. É porque és o único que me faz desejar ficar em vez de fugir. É porque me mostras que o sonho e a realidade se podem unir num momento maravilhoso chamado vida.
Por isso, entende, és tu. Não pelas coisas que sonhei ou quis. Não porque ache que possas dar-mas ou que mas queiras dar. É simplesmente porque, olhando para um futuro onde tu estejas, acordo do meu sonho e nunca fui tão feliz.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 17 de julho de 2012

Medo



Se me perguntarem qual o meu maior medo não saberei dizer. A vida não me criou na coragem e o mundo não me aclamou heroína. Sou humana. Sabem os Deuses quantos medos me correm nas veias. Mas, se me perguntarem do que mais tenho medo, não saberei dizer.
Acho que tenho medo de ter medo. Medo de não saber enfrentar de cabeça erguida o que quer que venha. Tenho medo do silêncio e do esquecimento. Tenho medo que a vida me ponha à prova nos vales da solidão e eu não saiba bastar-me.
Às vezes é assim. Não importa se o mundo nos puxa e nos mói. Não sabemos. E é nessa inconsciência que a loucura ganha raízes, nos perfura a alma e nos corrói os sonhos até não sermos mais do despojos de tudo o que poderíamos ter sido. E, por isso, também tenho medo de não saber...
Não deixar nenhuma rua por trilhar, nenhuma pedra da calçada sem pegadas, nenhum vinho sem prova, nenhum sonho por realizar, nenhum amor por viver. Queremos tanto. Somos tão plenos de desejos. O medo é natural. É-nos inato como uma respiração. Todos nós temos medo de acordar um dia no Outono dos tempos para descobrir que deitámos fora as oportunidades do mundo. A plenitude está nisso mesmo: no desejo e na falha e em todas as coisas que ficam de permeio.
Não sei do que mais tenho medo. Posso enumerar os meus amores na singularidade e contar os amigos pelos dedos das mãos. Mas não posso dizer que medos me assombram sem despertar outros fantasmas, de temores que foram e de temores que estão por devir.
Venha o que vier... tenho medo. Tenho medo mas sou forte. E, quando o medo me assombrar, sei que hei-de arranjar maneira de sobreviver.
Mas sobreviver é pouco. Não é? Acordar de manhã e rastejar até à morte. Sobreviver é não viver de todo. E também tenho medo disso. Medo de sobreviver a uma vida sem vida. Medo de acordar de manhã a esperar a noite e de acordar um dia a desejar que a morte me tome nos braços.
Não sei do que tenho mais medo. Mas não preciso de saber. O medo é apenas uma barreira em nós. Há-de estar sempre presente. Mas vale a pena construir degraus de sonhos e superar as barreiras. Vale a pena desistir da sobrevivência fria e procurar um pouco de fogo em nós.
Não é o medo que nos define. Não é o medo que nos move. A maior expressão da coragem está em erguer a cabeça e admitir que tememos tudo mas que, mesmo assim, não desistimos de nada.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 10 de julho de 2012

Nada nem ninguém



Com as mãos coladas ao teu rosto e os olhos perdidos nos teus. O meu coração grita e eu sussurro. "Nada nem ninguém, acredita em mim, nada nem ninguém". E tu ouves, sorris... mas não acreditas. Os teus olhos brilham das lágrimas contidas e o rosto pálido ruboriza. "Nada nem ninguém", repito.
Tu e eu. Nascemos das improbabilidades, tu e eu. Filhos de céus e amantes do mar. Fomos criados para sermos tudo menos um do outro. E, no entanto, as minhas mãos têm o tamanho certo para segurar as tuas. Os meus lábios o formato certo para encaixarem nos teus. Contra tudo e todos, encontrámo-nos.
E, de mãos fechadas ao redor do teu rosto, tento que compreendas. "Nada nem ninguém!" Mas tu tens medo que eu esteja errada. Tens medo que eles ganhem essa batalha sem sentido. E semeias o medo no meu peito. Não quero perder-te.
Eu ouço as vozes. Elas dizem que não posso estar contigo. Elas dizem que pertences a outras gentes, a outros mundos que não o meu. Mas o meu coração fala mais alto e a sua voz é mais pura. Tão pura que me sai por entre os lábios e te promete que nada nem ninguém nos pode roubar um do outro.
Por momentos, queria ser poeta. As palavras fogem no vento e restam as minhas mãos cheias de ti e os meus lábios cheios de promessas mudas. Demorei a encontrar-te nos espinhos da vida. Não podem roubar-te de mim. Quero dizer que te amo. Quero dizer que a lua é nossa guardiã e que, de alguma forma, tudo ficará bem. Mas as palavras fogem-me e eles continuam a falar. E tu ouves o que eles dizem. Acreditas. Quem me dera que acreditasses antes em mim.
O nosso amor é a expressão concreta da felicidade. Mas eles invejam-nos e atacam-nos. Não nos compreendem. E nós somos fortes juntos mas eles são mais do que nós e não dormem, não comem, não sonham. Por favor... sonha tu, comigo!
"Nada nem ninguém, nunca!". As palavras, repetidas até à exaustão perdem a força nos teus olhos descrentes. Então, os meus lábios perdem a força de falar e encostam-se aos teus, com ternura. Um beijo quente e leve, cheio de tudo o que as palavras não dizem.
E afastas-me. O teu olhar brilha levemente, enquanto me passas a mão pelos cabelos revoltos. "Nada nem ninguém", repetes. E, de súbito, descubro que é verdade. Descubro que tu sabes que é verdade. E, nesse segundo, não há nada mais certo: podemos lutar contra tudo e nada nem ninguém nos vai destruir. Eles podem ter todas as palavras do universo mas, tu e eu...  bem, nós temos o verbo amar.

Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet

terça-feira, 3 de julho de 2012

De olhos fechados



Quando fecho os olhos, eu vejo o mar. O horizonte. Os vales encantados da memória, onde floresce a ilusão de um amanhã mais puro. Quando fecho os olhos, eu ouço a voz das árvores. Vejo o sorriso das flores. Respiro melhor.
Quando fecho os olhos, eu vejo mais do que o mundo permite. Voo por céus de eternidade. Atiro-me de falésias de esperança. Corro sobre as nuvens mais altas.
Quando fecho os olhos, enrosco-me no teu abraço quente. Sinto o teu cheiro. O teu sabor. A tua insanidade e a tua força. Quando fecho os olhos, sou tua. Tu és meu. Juntos somos donos do para sempre e filhos de uma Natureza divina.
Abrir os olhos é morrer. Morrer no horizonte cinzento de uma estrada de alcatrão. Morrer na cidade pardacenta. Morrer na voz de quem não entende porque roubaram a voz de quem sabe melhor. Abrir os olhos é estar sozinha. É estares longe. É não sermos nada nem de ninguém.
Vou fechar os olhos. Correr por esse prado verde, onde as flores silvestres começam a nascer sob as gotas do orvalho da manhã. Vou seguir o rio. Vou dar-me a beber à poesia.
Vou abrir as asas. As minhas asas de veludo negro. As minhas asas de imensidão. Vou voar no céu azul-escuro do fim da tarde. Vou passear sobre o arco-íris.
Quando fecho os olhos sou a pessoa mais simples de todas. Ando descalça sobre a relva e sob a chuva. Rodopio loucamente no desapego do óbvio. Rio às gargalhadas, até a barriga doer e os olhos lacrimejarem. Sou tão feliz, quando fecho os olhos.
Então, não tenho medo da morte. Gosto da vida que tenho no fechar dos olhos. Quando me canso do mundo. Quando me canso de esperar que o mundo se torne outra coisa ou que seja melhor. E morrer é fechar os olhos de vez.
Quando fecho os olhos, eu vejo a vida que não tive. A vida que nunca vou ter. Não é o tempo nem o local para se ser um servo da Natureza. Para se ser um filho do divino. Para se ter uma fé inabalável no amor. Nasci no sitio errado para ter os olhos abertos. Nasci no tempo errado para admitir o que encontro quando os fecho.
E quem me entende? Quem pode entender que falo com plantas e espero amores perdidos? Quem pode entender que me ria das certezas dos que se afogam em teorias comprovadas? Quem pode entender que eu acredite no invisível, no indizível, no inadmissível e não consiga ter fé na ciência?
Quando fecho os olhos, entro num mundo de magia. Pode não ser real. Mas é real para mim e isso basta. Chegará o dia de fechar os olhos de vez. Nesse dia riam comigo. Nesse dia festejem. É de olhos fechados que sei ser feliz. Foi de olhos fechados que aprendi que a cegueira é uma doença para quem acredita que ter os olhos abertos é o mesmo que não acreditar em nada. Foi de olhos fechados que aprendi a ver...

Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet