Havemos de vir aqui, daqui a quinze anos. Chorava. Havemos
de olhar sobre esta cidade. De a deixar ser cidade sob a luz tremeluzente das
ruas. Sob o negrume infinito dos céus. Chorava. Daqui a quinze anos, havemos de
vir aqui.
Em que ano foi?
Ela tinha aquele jeito de sorriso na alma. E dor. Tanta dor.
Chorava. Palavras tropeçando noutras palavras. Copo cheio. Meio vazio.
Totalmente vazio entre as mãos. Havemos de vir aqui outra vez. Daqui a quinze
anos. Vamos rir-nos disto.
O que lembro melhor nela é o sorriso. Um sorriso dançado.
Nos lábios. No olhar. No rosto cheio de certezas. Ela tinha a força de um
exército. A alma tinha vestido a armadura. Mas era suave e tinha um aroma doce,
a baunilha ou morango ou afeição. O que fosse. Era uma dualidade infinita de
coisas completas. Olhando para ela eu sabia. Sabia que ela era mais do que
quase toda a gente e que podia ser tanto quanto quisesse.
Não naquela noite. Naquela noite era vulnerável. Havemos de
vir aqui, daqui a quinze anos. Não te esqueças da data. Lágrimas e palavras
soltas. Uma varanda sobre a cidade. Um frio que entrava nos ossos. Havemos de
vir aqui, daqui a quinze anos.
Falou. Falou de coisas que eu não sabia. Falou do amor dado
em corpos despidos. Da ferida aberta, a criar cicatrizes no coração que quer
adormecer. Chorava. E ia dizendo, sob um céu negro e feito em smog: Havemos de voltar. Daqui a quinze
anos.
Ela era tão bonita que era difícil não olhar para ela. Tão
confiante que se tornava impossível não desejar ter um pouquinho do brilho que
emanava do sorriso. Naquela noite, das lágrimas. A dor. Tanta dor. Porquê?
A história. Lembro-me da história. O soalho de madeira.
Lembro. Lembro com saudade. Havemos de voltar, daqui a quinze anos. Amor. O
sentimento espelhado, a escorrer no rosto que geralmente sorria. E a frase,
sempre presente. Havemos de voltar. Quando?
Havemos de voltar daqui a quinze anos. Foi ditada a sentença
que nunca se cumpriria. Mas relembro. Relembro as lágrimas caindo no rosto
triste. Daqui a quinze anos. E, em pensamento, nesta varanda sobre a cidade
adormecida, é com ela que eu estou. Lembro. Relembro-lhe as lágrimas. Mas
principalmente os sorrisos. E a forma como gostava de partilhar as minhas
próprias lágrimas e sorrisos com ela. Daqui a quinze anos, havemos de voltar.
Saudade. É isso que guardo, olhando a cidade que dorme.
Saudade. Uma varanda sobre a cidade iluminada na luz intermitente da rua.
Saudade. Daqui a quinze anos, havemos de voltar.
Não vamos voltar. Não agora. Não daqui a quinze anos. Mas lembro o sorriso. Sorrio. Daqui a quinze anos talvez eu seja uma figura solitária no topo da cidade. Daqui a quinze anos talvez aguarde, sozinha, no topo dessa memória. No topo do esquecimento. No topo do que fica pelos trilhos imprevisíveis da vida. Sim... a vida é mesmo assim. Mas tenho saudades.
Não vamos voltar. Não agora. Não daqui a quinze anos. Mas lembro o sorriso. Sorrio. Daqui a quinze anos talvez eu seja uma figura solitária no topo da cidade. Daqui a quinze anos talvez aguarde, sozinha, no topo dessa memória. No topo do esquecimento. No topo do que fica pelos trilhos imprevisíveis da vida. Sim... a vida é mesmo assim. Mas tenho saudades.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet