Era um jogo de sorte, aquele em que apostei o coração.
Pousei-o. Arrastei-o, com as mãos firmes, para o centro da mesa. Levantei o
olhar e encarei todos os outros. Apostei
o coração num jogo de sorte. Com ele, sem saber, apostava a vida inteira, com
todos os seus anteontens e todos os seus amanhãs. Mas estava tão certa de mim,
tão certa da sorte, que o apostei sem o mais leve temor. Apostei-o com a leveza
de uma manhã de Verão. E sorri. Sorri, enquanto apostava o coração,
abandonando-o, assim, no centro de uma mesa, ao alcance de qualquer pessoa.
O meu sorriso, despropositado e demente, foi encarado com
perplexidade. Quem apostaria o coração num jogo de sorte? Quem poderia estar
tão certo, a ponto de colocar no centro das apostas, a única coisa que se podia
esperar que sobrasse, nos fins dos dias em que tudo se perde ou ganha, por
entre escolhas inconsequentes.
Era um jogo de sorte, aquele em que apostei o coração. Podia
ganhar ou perder. Com a mesma facilidade. Era um jogo de sorte. Daqueles em que
se apostam os botões e as esmolas. Daqueles em que se aposta o anel de diamante
e o segredo. Apostei o coração. Arrastei-o, qual bijuteria, para o centro da
mesa. E ele batia calmamente, como se não fosse nada. Como se o centro da mesa
não fosse um espaço mais indigno do que aquele que ocupava no meu peito. E foi
a vê-lo bater assim, naquele quase-alivio de se ver longe de mim, que me
perguntei. E se o perder?
Não se perdem corações em jogos de sorte. Nem mesmo quando
se perde. O que se arruína nas mesas das apostas não são os corações arrastados
para o centro das mesas. Mas perde-se a vida. Perdi a minha. Foi preciso
perdê-la para compreender. Apostei o coração. Mas não era um jogo de sorte. Não
havia sequer a mais breve nuance de sorte nesse tudo ou nada de loucura em que
tinha apostado tanto. Era um jogo de azar.
Foi num jogo de azar que apostei o coração. Sob o olhar perplexo
de quem não compreendia que não havia nada a perder. O coração. A vida. Olhavam
para mim. Que coração? Que vida? Não olhariam para mim, com os olhos
arregalados, se soubessem a resposta. Mas não sabiam. Apostei o coração nesse
jogo de azar. E sorri.
Apostei o coração. Perdi tudo. Nunca se perde tudo num jogo
de azar. Perde-se apenas o que se aposta. Mas eu perdi tudo, excepto o coração. Esse dei-o. Dei-o a quem não o queria. Dei-o a quem não o sabia
cuidar. Não era um jogo de azar. Não era um jogo, sequer. Era azar, somente. O
azar de ter, comigo, apenas o coração. O azar de o ter apostado. O azar de não
poder arrancá-lo de mim para o arrastar para o centro da mesa.
Não perdi o coração. Guardei-o. Não havia forma de o perder.
Fiquei com ele mas ele já não era meu. Foi assim que me perdi de mim. Foi assim
que perdi a vida.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Que texto lindo.... Maravilhoso mesmo.
ResponderEliminarContinuação de bom trabalho
Bonito :')
ResponderEliminarPasrabéns :)
Muito bonito... e triste.
ResponderEliminarAdorei Parabéns tens muito jeito
ResponderEliminarAdorei o texto, pena ser uma história tão triste, mas não deixa de ser lindo!
ResponderEliminarParabéns pelo bom trabalho
Adorei. Muito bonito :)
ResponderEliminarPara além de ser um texto lindo, na minha opinião, traduz por palavras o sentido que a vida tem e não sabemos expressar.
ResponderEliminarParabéns.
Adorei!
Bonito :')
ResponderEliminarPasrabéns :)