O problema é o pescoço. Que o digam as pessoas com dívidas até ao pescoço, que vivem de corda ao pescoço, sofrendo o mal de uma economia que constantemente lhes põe os pés ao pescoço. Penduram ao pescoço o letreiro que diz "Persona non Grata". Se não produz, não serve. Adeus. As pessoas culpam-se umas às outras. Atiram-se ao pescoço uma das outras. A culpa mais culpada é do pobre mais pobre do que o pobre que se queixa. Vêm as forças policiais com meios insuficientes, e os jornalistas com o estúdio inteiro atrás. Pagam-se uns trocos pela narrativa que interessa. Corta-se o mal pelo pescoço. Que é como quem diz raiz. Mas a fala popular tem destas coisas, porque não saber pescoço é apanágio da educação moderna. Nas notícias, descobrimos que o Portugal futebolista volta para casa de taça na mão e medalha ao pescoço. Mais nenhum pescoço interessa. E seguimos, de pescoço sobre os ombros.
Inquilina das águas furtadas do pescoço, a garganta às vezes seca de calar. Causa desconforto. Não é um torcicolo, nem laringite. Não é refluxo, descansemos! É uma secura extrema, promovida pela enchente de palavras que inundou o peito, e condicionada pela dificuldade de organização coerente, que permitiria vociferar insulto digno de verbalização ou informação com real tempo de antena. Ocasionalmente, lá está: um pescoço que se ergue. Uma mensagem que importa. Um Presidente da República que lança mãos a pescoços alheios, em vãs tentativas de lhes manter seca a garganta. O silêncio é de ouro, dizia-lhe a mãezinha, essa outra senhora. Outra porque não é a minha. Outra porque é outra. E entenda cada um como quiser. Se puder. Fica a dever-se um pedido de desculpas e uma condecoração. Que mais uma, menos uma, também já não faz muita diferença... e há que ornamentar os pescoços agredidos, para que contribuam para movimentos mais anuentes de cabeça.
Abanamos a cabeça. Assistindo a
isto. Precisamos do pescoço para o fazer. Damos graças pela brevidade da
mudança no mais elevado quadro político. E depois recordamos. Há quem, de
candidato, traga ainda o arrasto das palavras ditas sobre a tentação política. Se isso acontecer, deem-me uma corda para me enforcar. O problema, aqui, não é o pescoço, mas a
falta de patriotismo, que Portugal sempre foi conhecido pela sua hospitalidade
e pronta anuência... e, por despeito à pátria e seus bons costumes, parece que
ninguém fez ainda a gentileza de ceder a corda ao homem!
Nas ruas, gente de pescoço caído faz da calçada portuguesa, mal cuidada em
chão que o turista rico não pisa, o horizonte. Escavam o chão com os olhos. A
sepultura já não parece mau destino. Ninguém faz nada. Enterram cabeça e
pescoço na terra, como avestruzes. A garganta seca-me enquanto tenta pescar
estruturas frásicas lógicas no meio do milhar de milhão de palavras que queria
cuspir. Obrigo-me a endireitar o pescoço e a ver tanta opressão, tanta miséria,
tanta aceitação.
É o filme mais triste de todos. O deste país, no qual o problema é o
pescoço. E a falta da coluna vertebral. E da cabeça que perdeu...
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Já não se fazem pessoas com cabeça, tronco e membros...
ResponderEliminarExcelente texto!
Perdoa-lhes Senhor, pois não sabem o que fazem nem o que dizem, embora se considerem muito sabedores. Sequer sabem distinguir a direita da esquerda. BJ
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