Quando eu andava no colégio, aprendemos a relacionar a Irmã Bom Pastor mais com os doces do que com as hóstias. A simpática freira vestia sempre um sorriso juntamente com o hábito e ganhava a simpatia de todos com facilidade, falando mais da Terra do que do Céu, e mais da culinária do que de Deus. Ninguém duvida que acreditasse num senhor-com-maiúscula, nem que orasse ou se confessasse regularmente. Mas, talvez por ser criança, lembro-me mais dela na cozinha do que na capela. Tinha mão de anjo para a gastronomia. Operava milagres diversos, incluindo o da multiplicação de crianças na fila do recreio para os bolinhos ainda mornos, sendo o bolo de chocolate um dos favoritos, vendido na salinha debaixo das escadas, junto à copa.
Chegada a nossa vez e oferecidos alguns escudos, escutávamos a pergunta com ou sem açúcar. E não, não era sobre a confeção do bolinho de chocolate que se falava – que tinha açúcar era certo - mas sobre o açúcar branco refinado que, a gosto, punham ou não sobre o mesmo.
Hoje, seria impensável dar a uma criança – ou até vender numa escola – os bolos da Irmã Bom Pastor. Para começar porque trouxe do colégio um texto mais importante do que qualquer evangelho – a receita do bolo – e sei bem a quantidade de açúcar que leva, a medida do óleo e como pode ofender todos os que não podem e não querem consumir glúten. E, depois, porque a lei, entretanto, fez questão de aplicar normas muito estritas sobre os produtos que podem ser vendidos, e duvido que as delícias caseiras de uma simpática idosa seguissem todos os padrões exigidos pela brigada do saudável.
Hoje fiz esse bolo. Partilhei-o com quem, como eu, ignora as normas e restrições que o mundo tem vindo a impor de forma exponencial e hostil. Ainda há pouco, apeteceu-me uma fatia, que aqueci e cobri de açúcar, buscando na memória o sorriso doce da senhora de hábito que, por hábito, frequentava a copa. O chocolate misturou-se com o açúcar e colou-me perguntas aos dentes. Perguntas sobre a razão que nos leva a negar deliciosos prazeres às crianças, para evitar que sofram de diabetes, mas continuamos a dar-lhes um mundo que lhes confere stress, ansiedade, depressão, burnout, distúrbios do sono, distúrbios alimentares, dependência digital e, em muitos casos, vontade de não estar vivo... Parece que, de súbito, se serve apenas uma saudável falta de futuro nas escolas.
Devia ir lavar os dentes. O açúcar faz cáries e as perguntas fazem azia. Não entendo nada disto. Mas, mais uma vez, quando eu andava no colégio também se ensinava a desenhar e não a desdenhar... e... olhemos o mundo!
Se quiserem adquirir o meu livro "[A(MOR]TE)"
enviem o vosso pedido para marinaferraz.oficial@gmail.com
Sem comentários:
Enviar um comentário