A verdade que liberta é a mesma que prende. É isto que deveriam dizer-nos, antes de nos ensinarem a dizer verdades como se elas fossem inócuas. Não são. A verdade fere. A verdade repele. Em alguns casos, a verdade assusta, a verdade agride, a verdade mata.
Escreve-vos, portanto, um morto. Não é um morto diferente da bruxa que ardeu na fogueira. Não é um morto diferente daquele que perdeu a cabeça no cepo da não negação. É um morto que morreu, tendo por carrasco a palavra que podia ter sido calada ou pintada de tonalidades brandas. Este morto respira. Apenas isso o separa das cinzas e da cabeça decepada. A sua sepultura é apartamento. Sua. Está calor neste inferno. Desculpem.
Despida até de batismo, me vou alongando pela memória da verdade que me talhou os dias e me faz gente. Tudo em mim é demais. Dizer-me aos outros é rasgar-lhes intento. Calar-me pelos outros é negar-me. Fico no espaço confinado entre o que quero dizer e não devo, o que posso dizer e não digo, o que ouvem e eu não disse. O resultado é sempre o mesmo eco. O eco do silêncio. Embatendo nas paredes e voltando, perfurando-me como bala.
A verdade é que todos os dias há gente que nasce. Todos os dias há gente que ri. Todos os dias há gente que faz plano de ser feliz para sempre. E todos os dias há gente que morre. Todos os dias há gente que chora. Todos os dias há gente que vê malogrado o plano de ser feliz para sempre. É a fome. É a guerra. É o desamor. É a filha da puta da mentira a passar a perna a todas as alegadas verdades.
Vou dizendo a mim mesma que o mundo me está a deixar louca. Que o mundo louco me está a deixar louca. Que o louco mundo louco me está a deixar louca. Que o louco mundo louco me está a deixar loucamente louca. A verdade vos libertará. João era louco como o mundo louco. João era louco como eu.
Aqui estou, acorrentada à verdade que libertei. E ela é livre. E eu estou encarcerada entre paredes. De cimento. De silêncio. De realismo duro. Talvez lhe pendure um quadro cheio de sorrisos. Sorrisos feitos para o disparo da máquina. Porque é que sorrimos sempre que alguém dispara?
Vou rebobinar. Fazer um filme mudo. O mundo é louco. A verdade assusta, a verdade agride, a verdade mata. Vou rebobinar. Amanhã estaremos todos vivos.
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