Aprender a ser feliz é horrível. E é por isso mesmo que a
maioria das pessoas não quer fazê-lo. Aprender a ser feliz é horrível.
Desencantam-se as vozes para contar tragédias. Há marés de
comiseração e pena. Coitadinho: tão boa pessoa e não merecia. Foi a vida. Foi o
mundo. Foram os outros. Foi o desígnio dos Deuses. Coitadinho. Uma mão que bate
nas costas. Um olhar de ternura, quase materna. E, de repente, um calor na alma
amarga que até parece acalmar as mágoas e trazer um pouco de aventurança ao dia
que, não tendo terminado ainda, poderá trazer o bom e o mau, conforme a sina
assim o ditar.
Esta é a tua história. Mas não leves a mal. Porque esta
também foi a minha história. Esta é a história de muita gente que gosta de
insistir na ideia criada, globalmente sustentada e filmicamente reproduzida de
que a nossa felicidade está nas mãos de entidades, critérios e condições que
nos escapam e nos transcendem.
Estendemos a mão à cigana e focamos os olhos nas cartas de
tarot. Queremos ver nas borras do café e descobrir nas rachas da bola de
cristal. Será que vamos ser felizes? Será que esta dor passa? Será que o
sofrimento não tem fim? E, por detrás de panos e instrumentos, de toques e de
análises estruturadas, a resposta dada depende sempre da mesma condicionante e
tem sempre o mesmo obstáculo. Sim, dizemos, vais ser feliz mas (existe este mas)
vais fazer por isso?
Dizemos que sim. Que vamos fazer por isso. Mas a ideia de termos
de fazer algo nas nossas vidas para sermos felizes é algo que frequentemente se
interpreta muito mal. Vou, é claro. Pensamos. E depois enchemos os dias de
pessoas. Ou de gatos. Ou de filmes. Ou de álcool. Ou de drogas. Ou de roupa. Ou
de promoções. Ou de viagens. A busca pela felicidade passa, de forma mais ou
menos explicita, pela procura daquilo que nos dá um momento de prazer.
Ser feliz não é ter um momento de prazer. Ser feliz nem
sequer é ter, em soma, mais momentos prazenteiros do que desagradáveis. Isso é
estar feliz. Ser feliz é outra coisa. Uma que não acontece de forma natural nem
por se tentar enfiar dentro do vazio, que é nada, um sem fim de coisas que são
sugadas e se mesclam com o vazio até serem, também elas, fragmento de coisa
nenhuma.
Ser feliz é uma aprendizagem. Quem aprende a ser feliz não
vai ter sempre sorte na vida nem vai, de súbito, conhecer apenas a parte mais
doce da existência. Não existe um recanto do mundo programado e modelado para
aqueles que aprendem a ser felizes. Não! A dinâmica do mundo é a mesma para
todos. Não há ninguém que não acorde mal disposto sem razão. Não há ninguém que
não tenha um acidente, uma discussão, um problema, uma dificuldade. A vida de
uma pessoa feliz é igual à de uma pessoa triste. E a diferença fundamental está
na escolha que se faz. Na postura que se adota. No olhar que se lança sobre a
mesma situação.
Mas aprender a ser feliz não é fácil. Implica, para começar,
que se olhe para fora, para compreender quão pequeninos somos, no meio de um
mundo com tanto potencial e com um potencial tão mal aproveitado. E que, nesse
olhar que se dá ao outro, sejamos capazes de nos despir de nós, das nossas
ideias e preconceitos, para ver e aceitar que a dor alheia, ainda que não nos
doa na pele, pode tomar proporções que nem ousamos pensar e conhecer.
Depois de olhar para fora, é importante olhar para dentro,
para percebermos que, na nossa insignificância, somos ainda dotados do
privilégio de existir e da inteligência para superar as perdas, conquistar
batalhas e resolver problemas.
Uma vez feito isto, é ainda necessário que se encontre
espaço para pensar nela. Na palavra proibida. Na inimiga comum, que permeia os
tempos, qual presença demoníaca sob o véu do pensamento. A morte. É importante
pensar a morte para ser feliz. Porque ela, pela sua iminência e infalibilidade,
tem o duplo poder de intensificar os momentos e abrir uma porta de saída de
emergência. Saber que vamos morrer faz-nos amar a vida. Saber que podemos
morrer faz-nos largar o temor do erro, da falha, da privação.
E, nesse olhar para dentro, para fora e para a morte, há uma
coisa que salta aos olhos. Podemos aprender a ser felizes. Porque a felicidade
não é um momento e não é uma situação. Não é uma circunstância nem uma casualidade.
A felicidade é uma escolha.
Mas aí é quanto tudo se complica! Quando sabemos que a
felicidade é uma escolha. Quando sentimos esta certeza, feito toque do sol na
pele, torna-se muito mais difícil viver. É horrível. Porque, a partir daí, se
não formos felizes não há espaço para desculpas. Não há espaço para atribuição
de culpas alheias ao mundo, à vida, aos outros ou aos Deuses. Sim! Torna-se
muito mais difícil viver. Porque ninguém quer olhar ao espelho para saudar o
único culpado da sua própria miséria. Aprender a ser feliz é horrível. E é por
isso mesmo que a maioria das pessoas prefere agarrar-se às convenientes cordas
de fatalidade. E sofrer alegremente na inábil e asnada libertação de ser servo
das sádicas linhas do destino.
Aprender a ser feliz é horrível. E é por isso mesmo que a
maioria das pessoas não quer fazê-lo.
Isto deixa-me triste. Mas a culpa não é minha.
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