Eu podia sentir sobre as minhas costas nuas o toque da palma
da tua mão. Quente. Era sempre quente a palma da tua mão. Especialmente depois
de fazermos do corpo um do outro templo. E de orarmos essas rezas unânimes e
tão despidas de pudores. Com lábios arrancando beijos do suor da pele. E com
dedos riscando traços um no outro. Escrevendo a história da paixão. Naquele
dia, podia sentir sobre as minhas costas nuas o toque da palma da tua mão. E
imaginava-te os olhos fechados e serenidade no rosto. Imaginava. Embora não
pudesse olhar para ti. De rosto mergulhado na almofada, a única coisa que me
sobrava era a tentativa. Essa de chorar baixinho e sem estremecer, para que não
notasses.
Disseste que me amavas. E eu disse que te amava. E os
lençóis debaixo de nós riam-se da ironia das palavras que trocávamos.
A hora do jantar estava perto e tínhamos mesa marcada no
nosso restaurante favorito. Quiseste apressar-te no vestir da roupa e que eu
fizesse o mesmo, para não nos atrasarmos. E, eu pedia aos ponteiros para terem
calma. Para podermos continuar ali. Na cama. Com a palma quente da tua mão nas
minhas costas nuas. Lembrando a tensão de corpos que vibravam ao toque e
arrepios de prazer que se entoavam em murmúrios ou gritos, conforme mandava o
desejo. A hora do jantar estava perto e tínhamos mesa marcada. A tua mão quente
largou as minhas costas nuas e a almofada bebeu-me a última lágrima, antes de
eu atuar um sorriso e plantar um beijo em ti.
Disseste “vamos”. E eu disse o mesmo. E fomos.
Na mesa, com a simpatia usual, foram colocadas as iguarias
de sempre. Não arriscámos no menu semanal nem nos pratos que nunca tínhamos
provado. Escolhemos os nossos favoritos. Da entrada à sobremesa. Vivendo, sem
ousadia, os sabores que escondiam o suor e a saliva desenvergonhados que ainda
trazíamos nos lábios. Demos as mãos sobre a mesa. Separando-as só quando as
travessas se pousavam no meio. E o funcionário ria amigavelmente de nós e dos
nossos pedidos expectáveis. Sorriamos. Um ao outro e àquele homem, alheio à
realidade.
Pagaste a conta. Ao sair, puseste a mão na minha cintura. E
entrámos na carrinha.
A trivialidade da conversa não rimava com o ardor crescente
que eu tinha no nariz nem com o olhar embaciado que pedia socorro. Pedi à
estrada para ser longa. Aos ponteiros para se estenderem nos segundos. Mas
nada, nada me respondia. Cravei as unhas nos joelhos e disse a mim mesma que
não ia chorar. Uma norma que quebrei ainda antes de acabar a frase. Paraste o
carro no estacionamento à frente da nossa casa. Lá fora chovia. Trocámos um
beijo apaixonado, com lágrimas à mistura. Provei o sal dos teus olhos e tu o
sal dos meus. Repetimos que nos amávamos. Porque nos amávamos. E, depois, demos
um abraço que nos partiu os ossos da alma.
Tinhas estacionado o carro à frente da minha casa. Essa que,
agora, não seria a nossa.
E não tornaríamos a fazer amor. Nem a trocar um beijo. Nem a
dizer que nos amávamos.
Dissemos “até logo” para não dizer “adeus”. A chave que
rodei na porta do prédio foi a que rodaste no carro. Virei costas e dobraste a
esquina.
Matámos o “nós” para que o “eu” vivesse. E a esperança do
calor a troco de um amanhã ameno. Limpei as lágrimas antes de entrar em casa.
Disse a mim mesma que não ia chorar. Não chorei. Arrastei o móvel pesado dos
livros para outra divisão. Sentei-me no chão a olhar para ele.
A minha gata cheirou-o de ponta a ponta e deu-me uma
cabeçada felina em cumprimento.
“Fica bem, não fica?”, perguntei-lhe. Ela não parecia
discordar. “Ainda bem que gostas… agora somos só tu e eu.”
E a solidão. Mas não lhe disse. Não queria que ela ficasse
triste.
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A antevisão de um final. O romper das arestas de um acordo.
ResponderEliminarO até logo, é uma realidade que dava um poderosíssimo filme.