quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Lava - Usa - Repete



O amor encapsulado. Pré-feito. Lavável. Reutilizável. E com uma nova tecnologia à prova de nódoas. Com toda a comodidade e sem nenhum trabalho. Com entrega ao domicílio. Sem custos adicionais. Nem taxas. Ou com IVA a 6%. Um bem essencial, para todos os efeitos. De luxo, em todos os aspetos, exceto no preço.
Basta abrir a embalagem. É reciclável. Tem um tempo de vida variável. Modo de uso espontâneo. Livro de instruções integrado. Com três palavras apenas. Lava, usa, repete. Em vinte línguas distintas. Num dialeto comum. Com braile. Para os deficientes invisuais. E com imagens exemplificativas. Para os deficientes emocionais.
Lava. Usa. Repete. O amor encapsulado. Venda aberta. Sem receita. Deduções mediante prescrição. Descontos às segundas-feiras. Como o cinema. Imagens meramente ilustrativas. Modelo não incluída no valor base.
Disponível em três modelos distintos e em cinco cores de pantone patenteado. Personalizado mediante avaliação de pedido e com preço sob consulta. Trocas e devoluções por um período de 15 dias. Devolução do dinheiro em caso de insatisfação.
O amor encapsulado. Lava. Usa. Repete. Não tem limites etários nem contraindicações. Adequa-se a hipertensos, intolerantes ao glúten ou à lactose e também a celíacos. Pode ser consumido por vegans ou vegetarianos. Não foi testado em animais irracionais. E, nos racionais, os efeitos foram sempre categóricos, formais e indiscutíveis na medida do expectável.
Tem uma taxa de sucesso de 100%. 101, se considerarmos que transborda adequação mesmo nos aspetos que carecem de teste. Está em vários pontos de venda. Em todos com exclusividade anunciada à porta.
PVP adequado às necessidades de cada consumidor. Maior durante períodos de sobriedade. Descontos mediante índices alcoólicos elevados e acumuláveis com outras promoções em vigor.
O amor encapsulado. Lava. Usa. Repete. Rápido e sem constrangimentos. Dispensa a consulta da versão integral dos termos regulatórios de acordo com a legislação em vigor. Não obedece a normativas da U.E. Uso individual ou fins de partilha. Botão único de ligar/desligar. Duradouro mas descartável.
O amor encapsulado. Responde por outros nomes e normas semânticas. Lava. Usa. Repete. Prazer. Paixão. Loucura. Terminologias infindáveis. Nomes rotativos. Permanência na continuidade das nomenclaturas. Rápido. Simples. Eficaz. A termo.
O amor encapsulado. Lava. Usa. Repete. Esconde no armário. Esquece. Instantâneo, como tudo o que é eterno. Frase feita. Cliché. Sorriso nos lábios de cima. Um asterisco precedendo a inevitabilidade da procura encontrada sem a mínima nuance de imperfeição. Lava. Usa. Repete. Diz que foi amor. O mundo vai anuir. É ambientalmente seguro. Normativamente comum. Perfidamente aceitável. E eu finjo que acredito.



Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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terça-feira, 19 de setembro de 2017

Notas sobre o amor incondicional



Amo-te.
E, porque te amo, sei coisas sobre ti que ninguém sabe. Como a cor dos teus olhos quando estás triste.
Porque te amo, sei de cor todas as palavras dos teus silêncios e faço dissertações das parcas palavras que me escondem universos de sobrecarga. Porque te amo, não te obrigo a falar mas insisto em ler-te, feito livro, nos passos e expressões. E, olhando para mim, eu acho que tu sabes que eu sei muito mais do que as conversas nos deixam partilhar por entre a simplicidade dos temas mais vagos.
Porque te amo, amo a sensação dispersa de que retiras de um abraço dado “porque sim”, alento para as mágoas que não dizes. Então, tenho mil abraços para dar, na esperança de que algum te envolva o corpo no local onde sangra essa ferida imaginária que eu apenas imagino.
E, se calha olhar para ti quando estás ausente, vagueando pelas memórias e os sonhos, tentando matar ambos com ideologias ainda sem corpo, eu entendo que, venha o que vier, não existe no mundo uma única nuance que possa roubar de mim o desejo e a vontade intensa de passar contigo eternidades em segundos.
Porque te amo, conheço-te bem os traços da beleza que, começando na pele, entra nos poros e chega até à tua alma e até ao teu coração. Tens um coração dócil, embora sejas fogo. Tens uma alma cautelosa, embora sejas acutilante. E é neles que respiro fundo a sensibilidade meio orgulhosa que me faz crer que fiz parte dessa construção.
Não há. Não existe. Nada. Ninguém. Nunca. Não há o que possa mudar a minha imagem de ti. Porque sou cúmplice até dos crimes que não sei que cometeste. Porque o seria, ainda que soubesse de cor a sua solidez.
Não concordo sempre contigo. Mas estou sempre contigo. E não te largo a mão nem que acabemos as duas no fundo do mesmo abismo. Se cairmos, não faz mal. Temos asas. Tu e eu. Ainda que eu o saiba e tu ainda não. Talvez descubras na queda. Ou talvez uses as minhas. As minhas asas vão bastar, enquanto não abrires as tuas.
Quero que sorrias. E que sofras, também, de vez em quando, porque a dor te acrescenta conhecimentos sobre ti mesma e sobre o mundo que te acolhe. Quero que lutes pelos sonhos. Quero que ames. E que não esgotes o amor em quem não te merece. E, se pelo caminho, amares dez ou vinte ou um milhão de vezes, não tenhas medo… é pior não saber amar do que acreditar no amor, vez após vez. E, um dia, por entre as tentativas e erros do amor, alguém que te respeita e te merece, alguém que não te diminui nem te castra, vai aparecer e ajudar-te. A abrir as asas. Essas que não sabes que tens. E a voar.
Amo-te e tenho orgulho em ti. No talento que te move os passos. Na imagem que te distingue, nos corredores da vida, de tantos quantos pisam flores. No interior onde se espelha o arco-íris. Tenho orgulho em ti. Porque me fazes ser uma pessoa melhor. E me fazes querer um mundo melhor.
Amo-te e sei que não sabes a extensão do meu amor. Amo-te e sei que não sabes que já me salvaste a vida. Amo-te e sei que não sabes que és, também, a vida que me salvaste. Amo-te e tenho, ao olhar para ti, acesso à única paisagem que nenhum homem e nenhum Deus pode destruir.
Há céus e mares. E há os teus olhos. E há um coração no meu peito que bate. Mas não é só meu. É nosso. Incondicionalmente.



Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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terça-feira, 12 de setembro de 2017

Case




Eu quero que ela case.

Quero que ela case com os sonhos e com a vida. Que deles faça ponto de chegada. Que deles faça ponto de saída. E que vá, apaixonando-se aos poucos por cada uma das estrelas. Cabem-lhe todas no peito. Porque coração que não transborda amor, não ama o suficiente.

Ocasionalmente, eu quero que ela perca o “C”. Quero que ela “ase”. Quero que se liberte das Contrariedades, das Correntes, das Chamadas, do Choros, das Companhias Castradoras que a impedem de voar. Quero que ela perca o “C”. E que “ase”. Como quem tem asas. Voando por aí.

Quero que ela não se perca “CÁ”. Que o largue também, para não sobrar um “SE” como pergunta eterna. Perder-se cá, seria ficar, nos lábios com muitos ses. Não! Que não haja “se” na vida dela. Em vez disso que “ase”, que case com a vida e com o mundo das possibilidades que o mundo abre a quem vai.

Se, pelo caminho, perder inícios e terminações, quero que ela seja sem “C”, sem “E”. Quero “as” melhores coisas, a abrirem portas às suas asas gigantes, tão mais pequenas do que o coração onde cabe amor para todas as estrelas do céu.

Sim, eu quero que ela case.

Quero que, na sua simplicidade, ela encontre caminhos seus, onde os espinhos sejam desfeitos em rosa. E a rosa seja aromática e plena, crescendo silvestre na poesia dos seus pensamentos mais loucos.
Casa, pequena, casa. Mas não com o “C”. Usa essa asa fechada atrás de ti. Deixa que abra. Letra a letra. A. Letra a letra. S. Letra a letra. A. Vai. É uma capicua de palavras. E um mundo que se repete no pedido mudo para que não te percas aqui.

Sim. Eu quero que ela case. 

Com o infinito onde moram as estrelas.

Com o coração onde o amor transborda.

Com o sorriso das possibilidades que moram no centro de uma paixão pela vida.



Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Adeus



adeus.
uma palavra que surgiu por um momento,
a adaga que arrancou um sentimento
destes braços que eram teus.

adeus.
uma expressão que, de alegre, foi sofrida
que, de tanto me matar, me deu a vida,
no instante de segredos só meus.

respira
o ar do universo é sublimado
pelo traço nevoento do passado
onde de um amor nasceu a ira.

e se dói o aroma a despedida,
não dói mais que a certeza que hoje trago:
o saber deste amor cruel e vago
que, de tão pouco ser, foi uma vida!


Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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