De mãos dadas pela rua. Com os dedos entrelaçados num
abraço. Com as almas perdidas e enlaçadas na certeza de um amor que não pode
esmorecer. O mundo lá fora pertence-nos e não nos importa. Talvez nos pertença
porque não queremos saber dele. Talvez seja essa a razão.
Avançamos. Vamos, cegos de nos vermos um ao outro. Cegos de
não vermos além do que fica nos meandros dos olhares partilhados e gastos.
Sinto que te pertenço. Sinto que me pertences. Sinto que o sabemos de cor e que
não precisamos que mais ninguém o saiba. E os teus olhos. As tuas mãos. O teu
calor. A tua perfeição imoderada e insolente, por entre as imperfeições do
universo.
Apanhámos, de corrida, o último navio para a Felicidade.
Somos os donos do Mundo. Temos biliões de estrelas e podemos reinar sobre as
galáxias mais distantes. Damos-lhes nomes eternos, que ficam pendentes na
memória e se perdem nos dias que passam. Somos os senhores do Mar e da Lua. Com
eles, passamos noites e dias e "para sempres" só nossos.
Caminhamos. Não temos espadas. Nem revólveres. Temos as mãos
dadas. E poemas nos olhos que sorriem. Somos mais fortes do que um exército.
Temos a força que os Deuses nunca quiseram dar aos Homens. E, no caminho
percorrido, deixamos a conquista das ruas que passamos, porque as trilhamos com
a certeza irrebatível de que não há maldição, nem guerra, nem tormenta, nem
mágoa que possa destruir-nos.
Sou tua. Tu és meu. Somos os donos do mundo. E a lista,
outrora feita, enumerada, cheia de exclamações, é agora um papel em branco,
onde vamos escrevendo a história de um hoje sem pressa.
A minha lista de desejos não tinha nada de simples. Para
nós, eu tinha desejado o Sol que se punha sobre o Mar, o Mar que espelhava as Estrelas,
as Estrelas que cintilavam ao longe, no cansaço eterno de morarem na distância.
Tinha desejado risos que soassem pelas terras altas e ecoassem em cada vale,
cada planície, cada montanha...
Mas, de mãos dadas pela rua. Com os dedos entrelaçados num
abraço. Com as almas perdidas e enleadas na certeza de um amor que não pode
esmorecer. Compreendo. Gritamos o amor e não precisamos que ninguém ouça.
Porque é um grito calado que trazemos em nós. Somos completos, nesse enlaçar de
dedos onde abraçámos as almas. E ouvimo-nos melhor nesse silêncio.
Sim. Cumprimos a lista. Temos o Mar. E os pores do Sol. E as
palavras ditas, re-ditas, sem a barreira dos pensamentos. Temos as Estrelas.
Biliões de Estrelas. E galáxias sem nome, das quais ninguém ouviu falar. Somos
os donos do mundo. Mas não somos os donos do mundo por termos Oceanos e Sóis e
Palavras e Estrelas e Universos. Somos os donos do mundo porque nos temos um ao
outro. Eu sou tua. Tu és meu. O mundo lá fora pertence-nos e não nos importa.
Rasgo a lista de desejos. Somos os donos do mundo. E a
felicidade não se enumera.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet