terça-feira, 7 de abril de 2015

Uma história


"A imaginação é mais importante que a ciência, porque a ciência é limitada, 
ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro."
- Albert Einstein -

A maioria das histórias começa com "era uma vez". Esta não. Esta começa com o toque insistente do telefone a ecoar nas paredes vazias de uma casa onde já não mora ninguém. E, se houve tempos em que algo existiu para que se dissesse "era uma vez", não foi hoje. Não agora. Não no toque insistente deste telefone que toca sem que vivalma o atenda.
Dentro das paredes nuas da casa onde ecoa o som estridente da ausência, nunca houve história que merecesse ser contada. Nunca houve amor. Nunca houve amizade. Afago. Carinho. Ternura. Talvez tenha havido intrigas. Se as houve, elas foram camufladas e perderam-se, escorrendo ao de leve pelas frestas do soalho velho, que range sozinho, como se fantasmas tristes caminhassem sobre si.
Seria uma boa história para começar com "era uma vez", se houvesse fantasmas. Mas não há. Há tão somente o vento, insistindo contra as traves de madeira velha, assobiando baixinho, qual viúva carpideira de outras eras. E talvez, por entre as notas agudas do seu eterno sopro, ele traga os fantasmas etéreos do passado. Mas não importa. O telefone toca. O som ecoa. O vento, embora responda, não pode atender.
No pó que se acumula sobre a mobília, repousa a memória do vazio. Um vazio que, obviamente, o telefone não conhece. Porque toca. Ainda. De novo. Outra vez. Não há passos que corram na sua direcção, nem mãos que se estendam num ímpeto voraz.
Talvez pudesse começar por "era uma vez" a história da pessoa que insiste em ligar para a casa vazia onde já ninguém mora. Ou a história de quem deixou o telefone ligado, no abandono da vida. Mas não merece esse começo a história do vazio. O vazio é apenas isso. Sem que, noutros tempos, noutra dimensão, noutro modo se encontre o incentivo para dizer que algo aconteceu. O vazio é apenas isso. E a pessoa que insiste em ligar, tal como aquela que morreu sem que ninguém se lembrasse de desligar o telefone são apenas a memória apagada nas paredes vazias, soterradas sob a camada densa de pó. Se ninguém disser delas "era uma vez", em breve serão também vazio. Serão absorvidas por ele, condenadas a desaparecer neste pedaço de papel onde não há espaço para começar histórias com conteúdo.
Esta história não começa com "era uma vez". Começa com o toque insistente do telefone a ecoar nas paredes vazias de uma casa onde já não mora ninguém. E, como não há quem more nela, a história acaba como começa. O telefone toca. Ninguém atende. Porque é que ninguém atende? Porque é que a casa está vazia? Porque é que alguém insiste em ligar, se não há quem responda?
Nenhum de nós sabe e, de alguma forma, sabemos todos a resposta. Estamos certos de saber. Ficamos todos na sala a olhar para o telefone que toca, ainda não estejamos lá. Imaginamos. Não precisamos que nos digam nada. Sabemos que a casa está vazia e que o telefone toca. Apenas isso. E, a maravilha é esta: Subitamente, cada um de nós tem uma história que merece começar com "era uma vez"...

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

3 comentários:

  1. Até porque, a vida é mais literária que a literatura, tem mais surpresas, mais inexperiências, não tem uma página final pra você olhar antes do fim. Por isso que todas as histórias merecem ser escritas, porque só escritas elas podem ser diferentes.

    e ah! quanto silogismos...

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  2. Amei demais esse texto,porque acho que temos mesmo aquela coisa de querer começar as histórias com "era uma vez" mas nem todas podem ser começadas assim,algumas são começadas e terminadas da mesma forma,lentas,intensas,sentimentais,ainda assim há esperança,há mistério,há a possibilidade de viver um conto especial que seja iniciado por "era uma vez".
    Belo texto querida,meus parabéns :D
    Beijinhos Jenny ^.^

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  3. REALMENTE E DE PENSAR EM ERA UMA VEZ...MUITO INTERESANTE E BEM DIFERENTE DE IDEIAS E MISTERIOSO O ENFOQUE MODO A SE ESPRESAR DA UMA VONTADE DE LER RAPIDO A SABER O SIGNIFICADOE BEM ABRANGENTE TEU DELINEAR DE SENTIMENTOS...TENS NOS SURPRIENDIDO A VARIACOES SOMATICAS DE TEXTOS...PARABENS.

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