Eu nunca aprendi a ser forte. As camadas da minha pele nunca
calejaram no fechar das feridas. A minha alma nunca deixou de sentir o abalo
nos confrontos com o mundo. Não. Eu nunca aprendi a ser forte.
Mas aprendi a escrever.
Aprender a escrever foi quase como aprender a ser forte. A
escrita deixava-me fazer tudo o que as pessoas nunca deixaram. Viver no meu
mundo de fantasia. Dizer o que penso. Explicar quem sou e o que gostaria de ser
no centro do universo onírico desta realidade que desprezo. Escrever
permitiu-me ser aquilo que ninguém queria que eu fosse. Permitiu-me ser eu. E,
no universo imenso das folhas de papel, eu deixei os medos pender, um pouco, na
algibeira e deixei-me voar na minha fantasia louca, maior do que a humanidade e
todas as suas guerras, maldades e conflitos.
Eu nunca aprendi a ser forte. Houve sempre fragilidade nos
gestos e instabilidade nos alicerces que me mantinham de pé. O meu coração
nunca aprendeu a manter-se firme. Habituou-se à dor. Foi apenas isso. Nunca
aprendi a ser forte.
Mas aprendi a pintar.
Aprender a pintar foi quase como aprender a ser forte. Significou,
primeiro, deixar páginas ganhar outras tonalidades. Não querendo fazer dos
cadernos, já tão cheios de poesia, a minha única tela, aprendi a pintar o
rosto. Descobri que era mais fácil sobreviver aos dias com o contorno negro dos
olhos e os lábios de sangue vivo. Descobri que, pintando, me enquadrava melhor.
Pintar foi descobrir a arte da camuflagem que me permitia passar despercebida
no centro de um mundo de aparências. E, com a tinta e os pós e os cremes era
mais simples ausentar-me do recipiente inócuo do meu corpo e viajar para o
lugar onde podia ser eu, sem artifícios nem subterfúgios.
Eu nunca aprendi a ser forte. Permeando os traços rudes da
minha debilidade, nunca houve mais do que instantes de satisfação que me
traziam a ilusão de que podia lutar e sobreviver. A ilusão não bastou. A alma
não soube ser firme. O coração não soube ser uno. Eu nunca aprendi a ser forte.
Mas aprendi a fingir.
Aprender a fingir foi quase como aprender a ser forte.
Sentir a mágoa e esboçar um sorriso. Sentir o chão e abrir as asas. Sentir o
medo e erguer o rosto. Descobri que as pessoas não se importam com a fraqueza,
com a fragilidade, com a tristeza.
Descobri que as pessoas se importam apenas com o que é imediato, superficial,
visível. E, embora o coração quebrado não soubesse ser uno, ensinei-o a fingir
que o era. Embora a alma, estilhaçada e dormente, não soubesse libertar-se dos
traços débeis do sentir, ensinei-a a fingir que sabia. Embora o rosto sentisse
as lágrimas tatuadas, criando linhas de treva sob os olhos, ensinei-o a sorrir
abertamente. Ergui o rosto. Enfrentei o mundo de frente. Fingi.
Eu nunca aprendi a ser forte. Aprendi a escrever, a pintar,
a fingir. Aprendi a sobreviver, a fugir, a viver. E escrevendo, pintando,
fingindo, aprendi ainda outra lição: o motivo pelo qual, por entre as agruras
da vida, não pude aprender a ser forte é porque se pode apenas aprender aquilo
que não se sabe. E eu sabia. Sabia ser forte. Forte o suficiente para criar
mundos de fantasia. Forte o suficiente para me camuflar no centro da realidade
fútil e desprezível do mundo. Forte o suficiente para erguer a muralha e usar a
máscara. Eu nunca aprendi a ser forte. Nunca precisei de aprender. Nasci assim.
Com a robustez de um exército no coração quebrado e na alma estilhaçada que,
talvez por serem tão fortes, preferem o desalento eterno à aceitação crua e
cega do que todos tomam por certo.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet