Para a minha mãe
Aos 13 anos eu já era um poema. Não, não era poeta. Era
poema. E diziam, à boca cheia, que eu rimava, que eu tinha métrica, que eu
ainda ia soar por aí, parte integrante de um mundo feito de palavras. Sorri.
Aos 13 anos eu já era romance. Não, não era escritora. Era
romance. E diziam, sem medo, que eu emocionava, que eu tinha uma estrutura
definida, que ainda ia ser folheada por aí, peça imprescindível de um mundo
feito de criações e imaginação. Sorri
Aos 13 anos eu já era antologia. Não, não era autora. Era
antologia. E diziam, sem a mais breve nuance de dúvida, que eu era um sem fim
de ilustrações pacatas, a tomar forma no centro de um mundo onde as
ambiguidades se escreviam a sangue. Sorri.
Quando eu tinha 13 anos, a minha mãe disse-me: "tu
escreves bem, mas não escreves bem o suficiente para seres escritora".
Chorei.
Aos 13 anos, eu não era poema. Aos 13 anos, eu não era
romance. Aos 13 anos, eu não era antologia. O que eu era aos 13 anos é muito
simples de descrever: eu era uma menina que queria ser. Tinha sonhos maiores do
que eu e muito maiores do que o meu talento. Mas também tinha uma mãe que sabia
parar e ver tudo o que eu podia vir a ser. "Tu escreves bem, mas não
escreves bem o suficiente para seres escritora". Por entre palavras
meigas. Por entre conversas cheias de conforto. Por entre elogios, apreciações
debruadas a ouro, louvores. Esta foi a frase da minha mãe. E foi a melhor coisa
que alguma vez me disseram. A frase que me tornou quem sou. O motivo pelo qual
agora não digo que sou poema, nem romance, nem antologia. O motivo pelo qual
não quero sê-lo. Sim, é verdade: eu não quero ser poema, nem romance, nem
antologia. Eu não quero ser produto acabado. Ninguém devia querer. Eu sou uma
folha em branco, à espera do amanhã. Uma linha, à qual se soma outra e outra,
em cada segundo que passa. E tento, em cada linha, ser melhor do que fui na
linha anterior.
Quando todos me diziam como as minhas palavras eram
perfeitas, que o meu futuro era grande, que o meu sonho seria real em menos de
nada, a minha mãe disse-me outra coisa. E ninguém quer ouvir essa coisa. A
verdade. A verdade tem muitas nuances de insatisfação. Levanta muitos mantos.
Abate muitos egos. A honestidade é mesmo assim. Parece crua e cruel. Por vezes
desnecessária. É difícil de ouvir. Mas, olhando para a menina que fui, para a
mulher que sou, finalmente compreendo. Ela é ainda mais difícil de dizer. É
difícil olharmos nos olhos de quem amamos, dispostos a dizer algo que sabemos
que vai ferir. Para dizer a verdade crua, a verdade inconveniente, a verdade
penosa, é preciso mais do que amar uma pessoa... é preciso amá-la de coração
inteiro, com toda a força da alma.
Aos 13 anos, eu não era poema. Nem romance. Nem antologia. E
também não era alguém que quisesse ouvir "não escreves bem o suficiente
para ser escritora.". Mas é engraçado. Foi a melhor coisa que alguma vez
me disseram.
Aos ouvidos dos outros, talvez pareça cruel, insensato.
Talvez, algures, no julgamento rápido e desnecessário que tantas vezes se faz,
alguém pense, até, no abalo sofrido pelo sonho construído num solo de elogios.
A minha mãe não foi cruel. Tão pouco foi insensata. Mas, acima de tudo, a minha
mãe não foi a pessoa que abalou os meus sonhos. A minha mãe foi a heroína que
vestiu a armadura, despindo preconceitos e olhares de comiseração sentimental e
me disse o que mais ninguém teve a coragem de dizer. Desta forma, foi a pessoa
que me fez dar o murro na mesa. Agarrar no papel. Escrever. Apagar. Escrever de
novo. Amarrotar papéis. Lançá-los ao lixo. Apanhá-los do lixo. Emendá-los.
Escrever de novo. Escrever mais. Escrever melhor.
Talvez, se a minha mãe me tivesse dito que as minhas
palavras eram ouro fino, eu hoje fosse uma pessoa que não passou pelo
sofrimento imediato de ouvir algo que fere. Mas aí, seria certamente detentora
de sofrimentos sem fim à vista, inundada pela incompreensão dos
"nãos" da vida. Arrastada para o fundo do poço com o sonho impossível
de realizar.
Mas a minha mãe disse-me: "Tu escreves bem, mas não
escreves bem o suficiente para seres escritora". Ao dizê-lo, apoiou-me
como mais ninguém fez. As suas palavras, misturadas no sentido de urgência que
partilhávamos e no meu desejo de concretização, deram-me as ferramentas para
dizer que não quero ser um poema, nem um romance, nem uma antologia, ao mesmo
tempo que me permitiam crescer dentro do sonho ao qual dediquei a vida.
Estou aqui. Cada dia é o primeiro dia na concretização do
que idealizei para mim. Lutei muito para aqui chegar. Sinto que chego. Todos os
dias. Mas hoje sei. Não chego porque o meu sonho é grande. Chego porque a minha
mãe o é. Chego porque ela sabia que eu podia ser melhor e teve a coragem louca
de mo dizer. E, hoje, é ela a primeira a dizer: "Ninguém escreve como
tu!"
São as pessoas que nos elogiam que nos fazem sentir melhor.
Mas são as que nos criticam que nos fazem ir mais longe.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Estou sem palavras,os elogios nos fazem chegar aos céus,mas são as criticas que nos fazem manter os pés no chão e lutarmos para sermos melhores sempre.
ResponderEliminarSua mãe tem razão em dizer que ninguém escreve como tu,mas foi porque você se permitiu absorver o que ela disse e buscar estar além do que imagina.
Texto incrível mesmo,parabéns querida :D
Beijinhos Jenny ^.^
Me vi nesse texto porque minha mãe disse no mesmo sentido,mas na questão de ser bailarina,todos diziam que eu era perfeita,que faria muito sucesso,mas ela fez questão de me manter firme e buscar ser ainda melhor todos os dias.
ResponderEliminarAgradeço a ela porque sem ela eu não alcançaria o que alçancei.
Lindo. Quando as palavras te saem da alma ganham vida propria. Mais uma vez um texto teu deixou-me com uma lagrima no canto do olho.
ResponderEliminarPor trás de uma grande mulher há sempre... Uma grande mulher. Sem beliscar os homens claro.
ResponderEliminarParabéns a ambas!
Resultou em pleno.