Inesperada. Chega. Uma onda de tudo. Rompendo as entranhas.
Rasgando por dentro a carne e a alma. Fazendo azias sucessivas pelo sistema
digestivo. E pela espinha. Queimando. Até chegar ao nariz. Como um indício. De
choro.
Olhos fixos no anteontem. E fios de cabelo a prenderem-me,
feito âncora, à realidade. Ferrando as unhas nas mãos. Frias. Lívidas. Não, não
e não. Da inércia ao pulo. Correndo. Até chegar. E olhar. Nos meus olhos. Bem
dentro dos meus olhos. Em frente ao reflexo. Que ameaça sucumbir. Não, não e
não.
A menina desobediente do espelho encolhe os ombros. E eu
olho para ela. Franzo o sobrolho. Deixo que desfeie a testa enrugada das
expressões. Repito a palavra. Não. E ela não faz muito caso de mim. Mas também
não deixa que o picante desassossegado das emoções seja mais forte do que as
minhas ordens.
A onda mantém-se. Em banho-maria. E eu olho para ela. E ela
olha para mim. E fazemos um ar cínico e despojado de regras uma à outra.
Podíamos matar-nos ali mesmo. Sem compaixão. Sem remorso. Sem que ficassem
penas a ondear em nosso redor. Em vez disso, olhamos uma para a outra. E
fingimos que não vamos chorar. Dizemos não.
O ardor chega ao peito. Vibra na ponta arrepiada do nariz. E
quer fazer-se dor. Tolhe-nos os sentidos desalentados e descontentes. Faz com
que brilhem pequenos sóis de chuva no canto dos olhos amendoados. Não, não e
não.
Ela resvala. Fraca. E os olhos são água. Mas a água não
verte. Eu levanto o indicador, espeto-lho mesmo em frente ao rosto. Tu nem te
atrevas! E ela, que sou eu, tem medo de mim. E saber que tem medo de mim também
lhe dá vontade de chorar. A tristeza é grande. E a maior é essa.
Sufoco. Não, não e não. Mas engulo as lágrimas. O nariz
arde. O peito arde. Tudo arde. E tenho frio. Forço um sorriso. E ela devolve-o.
- Não o sentes, pois não?
Ela abana a cabeça.
- Eu também não.
*Imagem retirada da Internet
Fotógrafo: Paul Apal'kin
Fotógrafo: Paul Apal'kin