Foi nesse dia. Passaste à porta de minha casa. Esse teu
jeito tão teu, tão cheio de promessas caladas que não tencionas cumprir. Foi
nesse dia. Olhar longínquo, cabelo desgrenhado e traços suavemente esbatidos na
inexistência de um sorriso. Foi nesse dia...
Um encolher de ombros. É assim que eu imagino esse dia. Um
encolher de ombros meio trocista mas de lágrimas nos olhos. Um dedo apontado
para a janela mais alta da casa. Duas ou três palavras suspensas no pensamento.
Foi no dia em que soubeste que parti. Pelo vento. Pelas
marés. Pela ausência. Pela voz mesquinha de quem nos roubou o tempo. Não
importa! Foi nesse dia. Nesse dia quiseste saber. E foi injusto porque não pude
responder-te.
Falarás desse dia e hão-de te perguntar se morri. Dirás que
não. E estarás a mentir. Porque eu morri. Sou um corpo a deambular. Mas a
pessoa que conheceste já não mora em mim. Os sorrisos foram vencidos. As
repetições insaciáveis moeram a alma até ao ínfimo da poeira dos saberes. E eu
não moro mais em mim. Não estou viva. Estou louca. Enlouquecida pelo desejo de
que tivesses passado pela porta de minha casa um tempo antes. Enquanto os meus
olhos não se perdiam no vazio branco de uma loucura consciente. Enquanto eu não
divagava pelos sonhos do cativeiro imortal dos espinhos da vida.
A loucura tomou-me. Tomou-me porque me deixaste a sós com a
solidão das paredes brancas e na esperança do impossível, a orar aos Deuses por
uma outra vida que não esta. A loucura tomou-me e embalou-me nos braços. Não se
foi embora depois de meio beijo atirado ao ar. E eu apaixonei-me pela loucura
porque ela não foi embora. Podes culpar-me? Podes realmente culpar-me por
escolher a estabilidade?
Sim... sou louca! Sou louca porque as pessoas enlouquecem no
amor que queima as veias. As pessoas são loucas... ri-te. Ri-te delas e da
loucura que é abrir o coração para deixar alguém entrar. Ri-te dessa
gentinha que não soube bastar-se. Porque
são loucas, essas pessoas. Loucas como eu sou agora. Louca como eu escolhi ser
para não ficar sozinha para sempre.
Eu tenho os meus fantasmas. As minhas vozes. Repetem o
mesmo. Vez após vez. Vez após vez. Vez após vez. Mas estiveram aqui e tu não
estavas. Quiseram ficar quando tu não quiseste. Abraçaram-me a alma quando te
cansaste do meu corpo.
Eu apaixonei-me pela loucura. E foi nesse dia que percebeste
que me amavas. Nesse dia em que a minha casa já não me tinha. Nesse dia em que
as quatro paredes choravam o luto de eu já não existir dentro de mim.
Conta a história. A história de como és especial por me ter
quebrado. A história de como pudeste tocar-me no coração com as pontas dos
dedos e deixar-lhe feridas que nunca sararam. Conta a história heroica de como
vergaste as minhas vontades, de como definiste a minha vida, de como eu
enlouqueci porque te foste. Se te faz sentir maior, conta tudo isso aos mundos.
Hoje, na loucura, não vivo em mim. Não vou ouvir. Podes contar a quem
quiseres...
Foi nesse dia que passaste à minha porta. E afinal eu
importava, não é? Afinal talvez houvesse uma hipótese... Não sejas louco, tu
também! Eu já morri. Não podes amar-me. Deixa o meu corpo definhar neste
constante deambular neurótico da minha mente. Tens outras portas e outras
casas. Sê feliz!
E as vozinhas repetem-se... vez após vez, após vez...
"porque não vieste mais cedo?!". Não lhes respondas. Diz-lhes que sou
louca. Diz-lhes que morri. Ao chegar às terras do Verão eu vou contar-lhes
também. Contar-lhes que vivi de amor, que morri de amor e que sou amor... E
eles vão saber que é verdade...todos eles. Todos os meus fantasmas. E, depois,
vão agarrar-me nos braços e vão amar-me como tu nunca me amaste. Vão acolher-me
e fazer-me ser feliz como eu nunca fui. Vão olhar para a minha história e dizer
que eu morri de sanidade por amar tanta loucura!
Nesse dia. Nesse dia vou imaginar que passo à tua porta. Num
jeito meu: em passos desajeitados e com os caracóis mal feitos esvoaçando ao
vento. E o meu silêncio vai ter mil promessas... juntas com a certeza de que as
cumpri a todas!
Marina Ferraz
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet