O último pedaço de chão ruiu e o último guardião do nosso
templo foi embora. A esperança caiu, quebrou e ficou estilhaçada algures, num
universo de promessas e de momentos que nem sabemos se foram reais ou apenas um
sonho bom.
Sim! Eu também sei o que é pedir em vão. Pedir ao coração
para esquecer. Pedir-lhe que pare, que atenue a dor com a altivez de um último
suspiro. Pedir aos olhos que percam a cor, que percam o brilho, que percam a
vida. E ver o desejo negado nas nossas mãos cruas, nos nossos dedos que já não
se cruzam com fé para pedir desejos para o futuro, na alma que insiste que tudo
passa com o tempo.
É esta a cor da desilusão. A desilusão crescente de se
perder uma parte nós mesmos, de descobrir que não somos tão fortes nem tão
corajosos como julgámos um dia. De descobrirmos que somos humanos e que podemos
ser feridos mesmo que, aparentemente, estejamos bem.
Não dá para viver sem sentir. Sem sentir o medo, sem sentir
a angústia, sem sentir a saudade de uma vida que se foi. E querer desistir é
como querer travar a tempestade de um olhar que chora por amor. Está à
distância do impossível, plantado nas inseguranças e nas parcas vivências que
nos inundam a memória. Mas não podemos desligar o coração e não podemos pedir a
nós mesmos para pararmos de sentir.
Seria bom. Um regresso às origens. Ser criança outra vez. Ir
lá, onde os sonhos eram possíveis. Onde os amigos se zangavam connosco e nos
perdoavam com a troca de um brinquedo no recreio. Onde nos diziam o que fazer e
nós seguíamos, sem questionar se o caminho indicado era o mais certo. Era o
tempo das ilusões e a época dos sonhos. Ainda assim, as feridas ficavam só na
pele, os medos ficavam só no escuro do quarto e tudo era sarado com o abraço
quente de alguém que jamais nos deixaria. Era o tempo da imaginação e ninguém
sofria desilusões. Porque o amanhã era uma promessa. E as promessas eram
simplesmente uma realidade que não imaginávamos que podia ser quebrada.
Olhem agora: tudo é feito de medo, mesmo a luz. Tudo é feito
de angústia e de dor. Nenhum erro se corrige com simplicidade. Nenhuma cura
chega com um abraço. Mesmo o melhor que vivemos traz a questão eterna e
incontornável: "até quando?".
Talvez tenhamos perdido a esperança ou talvez ela nos tenha
sido roubada. E, sem ela, resta o pedido mudo para que o coração pare, para não
ferir mais a cada batimento, para parar o bater incessante de uma desilusão de
fel.
Guardemos então o sonho. Seja o sonho qual for. Mesmo que
ele esteja ancorado ao desejo de fechar os olhos e não sentir mais. Temos de
procurar a criança que fomos antes das cores da desilusão nos roubarem a
felicidade. Porque, mesmo assim, apesar de tudo o que se passou, a criança que
fomos ainda tem fé. Ela ainda tem a certeza de que a esperança foi roubada pelo
tempo numa brincadeira imprópria e que está escondida no futuro, à nossa espera.
Nesse futuro que, independentemente das dores e das desilusões, temos de
enfrentar de cabeça erguida!
Marina Ferraz
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Mais um texto digno de partilhar,talentossima,parabéns
ResponderEliminarNão ter pressa de crescer. Pois os melhores momentos (não digo únicos)passam pela infância, onde realmente o brilho e a cor da desilusão estão meramente adormecidos.
ResponderEliminarGostei mt do texto Marina, fico à espera do próximo!* Beijinho
Ainda esta semana, eu e uma amiga conversávamos no Facebook a respeito disso... Essa saudade do que tínhamos e sentíamos na infância e na adolescência... Entretanto, ao final, concluímos que a soma do que somos hoje nos tornou pessoas melhores e que essa pseudossaudade constitui o rol apenas de boas lembranças. Beleza de texto. Parabéns e agradecida por ter-me proporcionado esta agradável leitura.
ResponderEliminar