terça-feira, 26 de julho de 2016

(Nunca) Para Sempre



Ela disse “para sempre”. E eu senti. O arrepio. Quase como se a vida se tivesse rido no meu ouvido. Quase como se ela tivesse aceite, ali, naquele momento, o desafio. E as palavras somaram-se. Ela acrescentou “nunca”. E eu soube. Ia acontecer.
Não foi no primeiro dia, nem no segundo. Quiseram os ventos. Quiseram as marés. Não foi no terceiro. Nem no quarto. Nem na primeira semana. Nem no primeiro mês. É a coisa mais engraçada de todas: “para sempre” é um tempo tão longo, que não será um ano a provar coisa alguma. Então, durante muito tempo, ela pensou que tinha razão. “Nunca”. E disse-o mais vezes. E mais vezes me arrepiei, no riso mudo da vida ao meu ouvido.
Calei-me. Desejei-lhe sorte. Mas não acreditei. Sou uma crente obstinada de quase tudo. Tenho mil Deuses. E acredito neles devotamente. Invisíveis e silenciosos como são. Acredito nos sins e nos nãos e nos talvez. Acredito até nas pessoas, ocasionalmente. Existem, no mundo, duas coisas em que não acredito: no “nunca” e no “para sempre”. Porque não sabemos quanto tempo é “nunca” e não sabemos quanto tempo é “para sempre”. E, seja quanto tempo for, é tempo demais para que o possamos definir numa certeza.
Um dia, ela bateu-me à porta. Chorando. E disse que o para sempre tinha acabado. Não o disse assim. Disse simplesmente “acabou”. Ninguém usa noções temporais indefinidas quando está triste. Só as definidas. Ontem. Hoje. Amanhã. Mas não se querem indefinições onde já há incertezas. Não se querem incertezas quando já tudo é incerto.
Podia ter-lhe falado do riso da vida. Mas não falei. Porque ela não o tinha ouvido por entre os seus próprios risos eufóricos, semeados entre o “nunca” e o “para sempre”. E não lhe falei do arrepio porque ela o tinha agora impresso na pele arranhada pelo fim dos amor. Feridas que haviam de se tornar cicatrizes um dia. Cicatrizes que haviam de a incomodar por muito tempo. (Para sempre? Quem sabe…).
Disse-me que não havia “para sempre”, disse-me que não havia “nunca”.
E disse-me que nunca tinha dito “nunca”.
E disse-me que nunca tinha dito “para sempre”.
Dei-lhe um abraço. “Claro que não”, retorqui. E começámos novamente um rol eternidades. Só as duas. Porque a amizade é mesmo assim e amanhã é outro dia. E ela havia de voltar a acreditar no para sempre. E eu havia de lançar à vida um olhar de escárnio quando ela se risse. E a vida havia de me perguntar se eu não achava ridículo. E eu havia de dizer-lhe que a coragem de acreditar no improvável não era nada ridícula… que o ridículo morava na inveja da vida que, sabendo-se eterna, perdia o seu tempo a negar aos outros uma eternidade humana, tão pequena quanto os anos que vão do berço à sepultura.
Gosto de imaginar que vida se ofenderia com estas palavras. (Mas quantas piores ouviu já?). Caso se ofendesse, quem sabe virasse olhos por alguns momentos. Para vida, que é imortal, alguns momentos podem ser humanas eternidades toscas. E ela diria “para sempre” e talvez a vida não visse. Talvez a vida não tivesse o ímpeto do riso. Talvez ela não aceitasse o desafio. Talvez ela pudesse ser feliz para sempre.


Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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terça-feira, 19 de julho de 2016

Deixa-o entrar



Vai abrir a porta ao sol. E a janela. Deixa-o entrar. Com os seus raios, espero a alegria. Da alegria faço a flor que planto na jarra. Condenada à morte precoce pela separação das raízes. Mas deixa entrar o sol. E deixa que ele traga a felicidade. E a vida. Para beijar o rosto florido da morte que o espera dentro das paredes frias da casa. Vai. Vai abrir a porta ao sol.
Não tardes. Abre as portadas. As janelas. As cortinas. Chama-o. O sol. Convida-o a entrar na sala onde a jarra ostenta a flor que, exultando o aroma da manhã, acentua já a chegada das noites sem retorno. Não tenhas medo que ele entre. Ao entrar, cada sombra será brilho. Do brilho podes tirar a receita do amor que te leva a regar a morte, como se a consciência que te pesa lhe retardasse o desvanecer da última pétala caída. É um poema do romantismo. Meio agreste, meio tosco, cheio de floreados em torno do que perece e fica espalhado no chão, debaixo do chão, feito em cinza. Vai abrir a porta ao sol. Deixa-o entrar.
No teu jeito sem jeito e na tua postura errónea de coisas incompreendidas. Não sabes o que fazer. Mas eu sei. E digo. Vai. Vai abrir a porta ao sol. E a janela. E qualquer espaço por onde os raios amarelados do tempo possam penetrar as frestas e encandear os olhos cegos do inesperado. Não queiras ser escuridão, se é a luz que te beija a pele. Deixa entrar o sol. Na tua casa. Na tua alma. Deixa-o beijar a jarra onde a morte se faz promessa e a beleza se faz castigo. E aprecia a tonalidade carente do amanhecer que te nasce nas paredes e que as pinta, salpicando-as de sombra e sonho, como se fossem uma coisa só. Vai. Vai abrir a porta ao sol. Deixa-o entrar.
Não tenhas medo. Respira. O ar. Dentro. Fora. Além de ti. Respira. Respira e vai. Vai abrir a porta ao sol. Deixa que ele afaste o que fica entre a beleza perene e a angústia permanente do que não pode sair pela porta pela qual, agora, entra o sol. E agradece a porta aberta. Agradece a janela aberta. Agradece as mãos que te deixaram abri-las. Agradece que elas abram. Agradece a alma que te prende a ti. Agradece ao sol que entra, mesmo sem convite, para te aquecer a frieza do desassossego triste.
Vai. Vai abrir a porta ao sol. E a janela. Esquece a amargura. Esquece a raiz. Esquece a jarra. Porque o sol que entra não me aquece. A raiz foi cortada. E a flor sou eu.


Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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terça-feira, 12 de julho de 2016

Desenlace



O sonho, a fé, a ilusão:
Bebeu-os de uma só vez.
De tanto cair no chão
Foi chão que um dia se fez…

Mesmo de rojo, sonhando,
Não abriu mão do querer:
Arrastou-se mas levando
O tanto que podia ser.

Ferida aberta ou cicatriz
Esse ir sem saber aonde,
Caminho que não se diz,
Questão que não se responde.

Por assim olhar, do chão,
O tanto que queria perto,
Cegou o seu coração,
Peito rasgado e aberto.

Sentiu o sono chegar
Nessa ilusão da tortura.
Sorriu sem acreditar,
Um sorriso que não dura…

Esqueceu-se de sentir
E nem sequer quer saber
Se fecha os olhos para dormir
Ou se os fecha p’ra morrer…

Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet


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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Carta aberta do meu amor por ti



Eu sonhei – amar. Todas as meninas sonham – amar. É um sonho comum – amar. Desses que se vendem nas capas das revistas. Desses que se semeiam nas páginas térreas dos livros de cordel. Desses que se fingem atrás da câmaras de cinema. Era cliché. Mas não importava. Eu sonhei – amar.
Amei. De tão forçada a noção intemporal do amor. Procurei-o com fervura. Afundei as mãos nos recantos mais inusitados, tentando arrancar, até do fundo pantanoso da vida, algo que se parecesse vagamente com o amor. Mas disseram-me. Várias vezes. Eu sei que sonhas – amar. Todas as meninas sonham – amar. É um sonho comum – amar. Mas olha, pequena, o amor é uma palavra que agoniza na beira da morte. O dia de hoje é veneno. A nossa época é veneno. E não há cura. Disseram-me, assim, que estava condenada. À morte. Não à minha, mas à do sonho. Esse sonho que eu sonhava tanto – amar.
Encontrei. Abraços. Beijos. Alcovas. Corpos que, vestidos ou nus, sempre me disseram o mesmo. O que eu já sabia. Era um sonho sem razão – amar. E confidenciei, nos teus ouvidos, a mágoa. E tu disseste que não. Não era impossível – amar. Meu triste amigo. Fiz missão de tentar explicar-te o que eu já entendera. O amor era um espectro agonizando nas catacumbas da Terra. E cada onda do mar era um soluço. Cada gota de chuva era uma lágrima. Cada trovão era um grito. Desse amor. O que estava morto no nosso tempo.
Negaste. Disseste que intercalava a vida entre dois momentos: os da ilusão cega e os da frieza excessiva. Se te dizia que nunca mais ia amar, falavas da ilusão – assim – “não amaste ainda”. Se te dizia que não havia amor, falavas da frieza – assim – “não amaste ainda”. E quando o dizias acordavas o sonho. Porque eu sonhei – amar. Todas as meninas sonham – amar. É um sonho comum – amar.
Sem nos olharmos no rosto, fomos palavras que se somavam e dias que se perdiam. Aprendi, de ti, que também tinhas um sonho – amar. Meu triste amigo. Quem me dera ter sabido ali. Mas estava tão ocupada a enterrar as mãos no chão pantanoso da vida que não desconfiei, sequer.
Foi uma construção feita em parcelas. Como um castelo de cartas – janelas abertas e sopros inusitados – a frequência instável das quedas. Passo a passo, entre o teu sonho e o meu. Era o meu maior sonho – amar. Era o teu maior sonho – amar. É um sonho comum – amar. Mas o amor… não tinha o amor morrido?
Descobri que não quando o teu sonho encontrou o meu e lhe chamámos nosso. Redescobri-te atrás do rosto onde, tanto tempo, tinha estado apenas o meu melhor amigo. Percebi. Por fim. O amor não estava a definhar, envenenado pelo hoje. Estava a tomar forma nos laços. A dar nó nos laços. A criar entre nós a chama que não queima e a ferida que não incomoda.
Era o meu maior sonho – amar. Era o teu maior sonho – amar. Éramos o sonho um do outro.
Às vezes, a dúvida bate à porta. São as dificuldades. É a mágoa. É o desconforto. Fruto de anos de vida que nos pesam e nos confundem. Por segundos. Mas viram costas e partem. Por três anos não fizeram mais do que virar costas e partir.
És tu e eu. Não cabe nada no espaço entre o nosso abraço. Nada além do sonho. O meu maior sonho. E o teu – amar. Mas não só amar. Amarmo-nos… É um sonho que acorda e se faz real – todos os dias.  



Marina Ferraz




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