Ela disse “para sempre”. E eu senti. O arrepio. Quase como
se a vida se tivesse rido no meu ouvido. Quase como se ela tivesse aceite, ali,
naquele momento, o desafio. E as palavras somaram-se. Ela acrescentou “nunca”.
E eu soube. Ia acontecer.
Não foi no primeiro dia, nem no segundo. Quiseram os ventos.
Quiseram as marés. Não foi no terceiro. Nem no quarto. Nem na primeira semana.
Nem no primeiro mês. É a coisa mais engraçada de todas: “para sempre” é um
tempo tão longo, que não será um ano a provar coisa alguma. Então, durante
muito tempo, ela pensou que tinha razão. “Nunca”. E disse-o mais vezes. E mais
vezes me arrepiei, no riso mudo da vida ao meu ouvido.
Calei-me. Desejei-lhe sorte. Mas não acreditei. Sou uma
crente obstinada de quase tudo. Tenho mil Deuses. E acredito neles devotamente.
Invisíveis e silenciosos como são. Acredito nos sins e nos nãos e nos talvez.
Acredito até nas pessoas, ocasionalmente. Existem, no mundo, duas coisas em que
não acredito: no “nunca” e no “para sempre”. Porque não sabemos quanto tempo é
“nunca” e não sabemos quanto tempo é “para sempre”. E, seja quanto tempo for, é
tempo demais para que o possamos definir numa certeza.
Um dia, ela bateu-me à porta. Chorando. E disse que o para
sempre tinha acabado. Não o disse assim. Disse simplesmente “acabou”. Ninguém
usa noções temporais indefinidas quando está triste. Só as definidas. Ontem.
Hoje. Amanhã. Mas não se querem indefinições onde já há incertezas. Não se
querem incertezas quando já tudo é incerto.
Podia ter-lhe falado do riso da vida. Mas não falei. Porque
ela não o tinha ouvido por entre os seus próprios risos eufóricos, semeados
entre o “nunca” e o “para sempre”. E não lhe falei do arrepio porque ela o
tinha agora impresso na pele arranhada pelo fim dos amor. Feridas que haviam de
se tornar cicatrizes um dia. Cicatrizes que haviam de a incomodar por muito
tempo. (Para sempre? Quem sabe…).
Disse-me que não havia “para sempre”, disse-me que não havia
“nunca”.
E disse-me que nunca tinha dito “nunca”.
E disse-me que nunca tinha dito “para sempre”.
Dei-lhe um abraço. “Claro que não”, retorqui. E começámos
novamente um rol eternidades. Só as duas. Porque a amizade é mesmo assim e
amanhã é outro dia. E ela havia de voltar a acreditar no para sempre. E eu
havia de lançar à vida um olhar de escárnio quando ela se risse. E a vida havia
de me perguntar se eu não achava ridículo. E eu havia de dizer-lhe que a
coragem de acreditar no improvável não era nada ridícula… que o ridículo morava
na inveja da vida que, sabendo-se eterna, perdia o seu tempo a negar aos outros
uma eternidade humana, tão pequena quanto os anos que vão do berço à sepultura.
Gosto de imaginar que vida se ofenderia com estas palavras.
(Mas quantas piores ouviu já?). Caso se ofendesse, quem sabe virasse olhos por
alguns momentos. Para vida, que é imortal, alguns momentos podem ser humanas
eternidades toscas. E ela diria “para sempre” e talvez a vida não visse. Talvez
a vida não tivesse o ímpeto do riso. Talvez ela não aceitasse o desafio. Talvez
ela pudesse ser feliz para sempre.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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