Enquanto caminhava sozinha nos vales de memórias, durante o sono profundo no qual tão poucas vezes me deixo cair, vi os teus olhos afastarem-se pouco a pouco, até desaparecerem nos limites do oceano azul e brilhante.
Pensei em correr atrás de ti mas, subitamente, já não tinha sentido fazê-lo. Fui a culpada do que aconteceu, sinto-me como se a culpa fosse completa e irremediavelmente minha.
Fiquei com medo de dormir, com medo dos pesadelos nos quais eu era sempre quem destruía tudo. Habituei-me a sentir a culpa consumir a energia do meu corpo, habituei-me a olhar o céu e a ver nele os teus olhos , a olharem para mim triste e desaprovadoramente.
Sabes que a culpa é minha, é o que posso concluir. Nunca destruíste a minha vida ou os meus sonhos, fui sempre eu, na minha inocência que segui acreditando ser melhor do que sou, ser mais calma e infinitamente menos culpada do que me descobri.
Sou culpada por ter feito as coisas da minha maneira, sou culpada por ser eu mesma mesmo quando as vozes de todos os espectros que me rodeiam gritam ao vento que eu não devia ser assim. Ninguém quer saber, sou invisível para todos mas ainda assim perdem tempo a arruinar o pouco que ainda sou com gritos e palavras ruins.
Mas eu não ouço, tapo os ouvidos e fujo a correr, afastando-me o mais que as pernas conseguem e o corpo aguenta. Quando por fim o cansaço vence, caio de joelhos e forço as orações das quais nem me recordo, a sair por entre os lábios na forma de som.
Sei que ninguém me está a ouvir! Tenho tão nitidamente essa certeza que até troço de mim mesma por tentar acreditar que existe alguém superior, a ouvir as preces de quem chora por ter medo e por estar triste. Mesmo que existisse, quem sou eu para ser ouvida?
A culpa é toda minha e estou a pagar por essa culpa, estou a pagar por ter agido de acordo com o meu coração e estou a pagar por me ter recusado a ser a actriz que sorri nas horas tristes.
Escolhi ser eu mesma, com todos os meus defeitos e com todas as minhas qualidades. Hoje sei que vivo no Inferno. Tudo se está a desmoronar à minha frente, a cair aos meus pés, a ameaçar a minha resistência.
É nestes momentos de sentida culpa que quero ir embora e, deixar para trás apenas a atormentadora certeza de que um dia, talvez daqui a muito tempo, alguém vai erguer os olhos e perguntar: «Não falta aqui qualquer coisa?»
E nesse dia, mais uma vez, irão dizer que a culpa foi toda minha!
Marina Ferraz
Pensei em correr atrás de ti mas, subitamente, já não tinha sentido fazê-lo. Fui a culpada do que aconteceu, sinto-me como se a culpa fosse completa e irremediavelmente minha.
Fiquei com medo de dormir, com medo dos pesadelos nos quais eu era sempre quem destruía tudo. Habituei-me a sentir a culpa consumir a energia do meu corpo, habituei-me a olhar o céu e a ver nele os teus olhos , a olharem para mim triste e desaprovadoramente.
Sabes que a culpa é minha, é o que posso concluir. Nunca destruíste a minha vida ou os meus sonhos, fui sempre eu, na minha inocência que segui acreditando ser melhor do que sou, ser mais calma e infinitamente menos culpada do que me descobri.
Sou culpada por ter feito as coisas da minha maneira, sou culpada por ser eu mesma mesmo quando as vozes de todos os espectros que me rodeiam gritam ao vento que eu não devia ser assim. Ninguém quer saber, sou invisível para todos mas ainda assim perdem tempo a arruinar o pouco que ainda sou com gritos e palavras ruins.
Mas eu não ouço, tapo os ouvidos e fujo a correr, afastando-me o mais que as pernas conseguem e o corpo aguenta. Quando por fim o cansaço vence, caio de joelhos e forço as orações das quais nem me recordo, a sair por entre os lábios na forma de som.
Sei que ninguém me está a ouvir! Tenho tão nitidamente essa certeza que até troço de mim mesma por tentar acreditar que existe alguém superior, a ouvir as preces de quem chora por ter medo e por estar triste. Mesmo que existisse, quem sou eu para ser ouvida?
A culpa é toda minha e estou a pagar por essa culpa, estou a pagar por ter agido de acordo com o meu coração e estou a pagar por me ter recusado a ser a actriz que sorri nas horas tristes.
Escolhi ser eu mesma, com todos os meus defeitos e com todas as minhas qualidades. Hoje sei que vivo no Inferno. Tudo se está a desmoronar à minha frente, a cair aos meus pés, a ameaçar a minha resistência.
É nestes momentos de sentida culpa que quero ir embora e, deixar para trás apenas a atormentadora certeza de que um dia, talvez daqui a muito tempo, alguém vai erguer os olhos e perguntar: «Não falta aqui qualquer coisa?»
E nesse dia, mais uma vez, irão dizer que a culpa foi toda minha!
Marina Ferraz