Estamos assim, mais ou menos, escondidos atrás da bandeira.
Da parte vermelha da bandeira, para ser mais exata. A esperança é tão escassa
que já não esconde ninguém.
Estamos escondidos atrás dos homens que morreram no mar para
nos fazer mundo. E escondidos atrás do sangue vertido para nos fazer gente.
Temos canções sobre a morte. Mas seguimos a vida a fugir dela. Perdemos tanto
tempo a fugir dela que, por caminho, não vivemos. E dizemos como é brava a
nossa carne mole, escondida atrás das glórias (?) do passado. O que fizemos pela
glória? Nada. Nascemos. Não fomos nem marujos a tombar das caravelas, nem
soldados a levar balas no peito. Não fomos donzelas a chorar à beira-mar pelos
filhos que não retornaram e as filhas que, sem o saber, se faziam viúvas no
partir da nau. E eles, que embraveceram as estruturas finas da nação, deixaram
no aroma da maresia a ilusão. Tão valentes que se fizeram imortais e ganharam a fama questionável de heróis e Deuses. Mas nós?
Nós estamos escondidos. Atrás da bandeira.
Estamos escondidos atrás da baliza, a ver os outros jogar.
Roubamos-lhes o título, quando é bom, porque sentimos que nos representa. Da
mesma forma, xingamos os maus resultados como se nos negassem a bravura dos
nossos antepassados. Esses que eram fortes e indomáveis(?). Mas nós? Nós estamos
escondidos. Atrás da bandeira.
Nos recantos das vitórias alheias, vamos buscando um pouco
do verde que ainda nos pinta o lado esquerdo da bandeira. Coração de esperança,
ondeando ao vento. Mas escondemo-nos atrás das glórias (questionáveis) do tempo que não
retorna. (Não vá o futuro tecê-las e fazer-nos descobrir que, tal como os
navios, naufragámos a nossa força ao largo do Cabo das Tormentas). Somos um
povo. Somos uma nação. Unidos pelas causas mais insípidas ou pelas mais
coerentes. Mas não somos heróis. Não acho que devamos pensar, sequer por um
momento, na heroicidade do nosso corpo depositado em frente aos livros de
História e aos ecrãs de televisão. Estamos escondidos. Gritando "golo", ocasionalmente, mesmo quando ele é mero golpe de sorte. Estamos escondidos. Atrás da bandeira.
Estar escondido é mais confortável. Mas ouvi-lo não é. E as
vozes que gritam pela força que nos torna os melhores, os maiores, os favoritos
são as mesmas que ultrajam o sentir destas palavras. Porque elas incomodam e
roubam ilusões. E, sem as ilusões, subitamente somos apenas do nosso tamanho e
não do tamanho dos feitos dos outros. E que pequenez essa, que é a nossa,
pessoas simples e que nunca fizeram nada para enaltecer as cores da bandeira
que nos esconde.
Estamos assim, mais ou menos, escondidos atrás da bandeira.
Da parte vermelha da bandeira, para ser mais exata. A esperança é tão escassa
que já não esconde ninguém. Pelo menos a minha já não esconde ninguém. Mas
também não me escondo atrás dela. Não tenho, talvez, a força dos homens que
nos marcaram o lugar no universo, nem quereria tê-la, porque a visão ampla apaga a glória. Não tenho as ambições dos que nos colocam no centro
das atenções do mundo nem vontade de falar de uma história maculada por mortes e escravatura como se fosse sinónimo de glória. Mas tenho voz. Tenho opiniões. E pouca vontade de gritar "golo". Uma caneta e papel. Posso escrever. E, se posso escrever, não
tenho, não vou esconder-me atrás da bandeira.
*Imagem retirada da Internet
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