Tem sido difícil viver sem ti. Quando acordo, com o beijo do
sol e o calor da manhã. Quando pouso os pés na madeira limpa do soalho. Quando
canto fado no chuveiro. Às vezes, sorrio. E, depois, lembro-me que não devo
sorrir. E repito: tem sido difícil viver sem ti.
Tem sido difícil sair à rua. Saltar de pedra em pedra, feito
criança, brincando ao jogo das cores. E palmilhar as ruas sem destino, à procura
dos sonhos nos recantos entre os azulejos toscos e as rachas das paredes. Não
ter hora para voltar. Não ter compromisso que me prenda. Fico a ver o mundo que
passa e o rio que corre. O trânsito que flui. Às vezes sorrio. E, depois,
lembro-me de que não devo sorrir. E repito: tem sido difícil viver sem ti.
Às vezes chego inesperadamente depois das sete a casa. E
abro a porta sem cuidado. Chego depois das sete. Mas nunca chego atrasada. Não
há horário. Nem hora certa. Nem obrigações. Entro em casa, dispo-me a caminho
do quarto. Uso a minha camisola velha e os calções de desporto. Os pés nus no
soalho. Ponho a rádio na estação de músicas lamechas e salto do sofá quando as
baladas dão lugar a uma música dançável. Faço desfiles pelos corredores. Janto
morangos com chocolate negro. Às vezes sorrio. E, depois, lembro-me de que não
devo sorrir. E repito: tem sido difícil viver sem ti.
A minha mãe liga às terças e quintas. Na sua voz, a
comiseração cortada e contada nas frases do costume: “não precisas de nada?”; “estás
bem?”; “tens de aguentar firme!”. Aos fins-de-semana, os amigos arrastam-me
para os bares. E repetem, feito oração, as premissas do costume: “tens de
superar!”; “eu sei que não estás bem, mesmo que digas que sim…”; “depois de uma
montanha, espera uma maior.”.
Eu olho ao espelho. À procura da dor. À procura da solidão.
À procura da vergonha. Mas tudo o que vejo sou eu. Ponho a língua de fora.
Sorrio. E, depois, lembro-me. Não devia sorrir. Devia chorar. Dizer que tem
sido difícil viver sem ti. E talvez seja. Mas sabes? Foi mais difícil viver sem
mim quando estava contigo.
Sorrio. E não tenho vergonha de sorrir. Tem sido perfeito
viver sem ti.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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