Deixa arder. Como ardem as florestas. É triste. Mas deixa
arder. E põe as culpas na vida. Ou nas outras pessoas.
Deixa arder. O sonho. A vida. A alma. Depois diz que tens
pena. Porque a alma não se fez. Porque a vida não te quis. Porque o sonho não
foi vida. Deixa arder. Uma oportunidade atrás da outra. A primeira porque não
tens tempo. A segunda porque não tens capacidade. A terceira porque não tens vontade.
E chora, depois. Agarrada à culpa alheia. Diz que te tramaram o sonho.
À medida que avanças na estradinha de ladrilho cinzento, vai
dizendo que os passos são ditados por quem fez o caminho. E que, se é cinzento
o ladrilho, eles te regem que os cinzentos passos avancem rumo ao cinzento de
um futuro sem esperança. Não faças nada para mudares os caminhos, e as cores, e
os destinos.
Arruma os arquivos, um a um. Põe-os na estante, catalogados.
O sonho que nunca cumpri. A vida que nunca tive. O lugar onde nunca fui. O amor
que nunca senti. Catalogados assim, a cinzento, na estante do tanto que não
foste. E, se te perturbar a presença das folhas enumeradas na estante ao lado
da qual perdes a poesia dos dias, aquece lume. Queima a sanidade. Amarrota o
que podia ter sido e atira à chama. Deixa arder.
No centro do fumo – também ele cinzento – aceita a vida
cinzenta que te destinaram. Não será difícil aceitar a proximidade quieta do
tempo, se o fumo não te deixar ver que, além, existem montanhas e vales e lagos
e mares de possibilidade por explorar. Cega no centro do fumo, à medida que
deixas que ele te entre nas veias e te programe para pensar que é melhor assim.
Acorda um dia. Feliz. Não feliz-feliz. Mas feliz como se diz
ser a felicidade nas ruas de ladrilho cinzento. E faz os teus passos –
cinzentos e programados. Vai. Começa essa rotina de círculo infindável e
desgastado.
Deixa arder. O sonho. A vida. A alma. Como ardem as
florestas. É tristemente indolor. Quando deres conta, ardeu.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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