Quando eu era pequena, os meus pais diziam-me, às vezes “não
tens umbigo”. E eu, muito aborrecida, lá puxava para cima as camisolas
interiores, exteriores, casacos e mais o que houvesse para puxar, apenas para
provar que, no centro da minha barriga, estava esse buraquinho que eles diziam
que não tinha.
Ser criança tem destas coisas.
De alguma forma, nessa fase, eu não dizia que tinha umbigo.
Mostrava-o. Talvez porque a inteligência infantil nos faça saber que os adultos
não acreditam em nada que não vejam. E, ao mostrá-lo, vinham risos e cócegas e
mais risos. Que me distraíam daquela frase que me perturbava. “Não tens
umbigo”.
Ser criança tem destas coisas.
Cresci a saber que o
tinha – o umbigo. De alguma forma, assumi que, como eu, toda a gente tinha um,
embora não fizesse muito caso disso. Era natural e pouco importante. Como quase
tudo, na fase em que os sonhos – tão reais como o umbigo – se manifestam e
traduzem em momentos de ilusão, fomentados pela televisão e aniquilados pelas
escolas.
Ser criança tem destas coisas.
Talvez por não pensar muito nele, o umbigo nunca me
incomodou. Até começar a perceber que ele podia, muito bem, ser o centro. Não o
meu centro. O centro do mundo. E que, da mesma maneira, o umbigo dos outros
podia ser, para eles, a mesma coisa.
Descobri com facilidade que, para muita gente, é mesmo
assim. Nunca ninguém lhes tinha dito que não tinham umbigo. E, talvez por isso,
exibiam com frequência e por necessidade demente essa parte de si.
Algumas pessoas que conheci passavam tanto tempo a olhar
para o próprio umbigo que se esqueciam de tudo o resto. Até de quem estava
perto. Até dos sonhos que deviam ter cultivado. Esqueciam. Olhavam apenas o
próprio umbigo, com uma fascinação tão grande que era como se não soubessem
antes que ele estava ali.
Encontrei dessas pessoas nas escolas, é verdade. Mas também
no trabalho. Também nas filas dos supermercados. Até mesmo na tela da
televisão, principalmente nos canais de discussão política.
Um verdadeiro programa do reino animal, com programação
alargada e espetáculo ao vivo em cada recanto da rua. As pessoas fazem um
reality show dos seus umbigos e é para eles que olham a tempo inteiro. Às
vezes, sem mesmo precisarem de levantar as camisolas interiores e exteriores e
os casacos. Descobrem-no e fascinam-se com ele. Torna-se um vício. Olhar para
ele. E só.
Incapazes de viverem sem esse amor profundo que desenvolvem
pelo próprio umbigo. Que, provavelmente, antes nem sabiam que tinham, as
pessoas dedicam todos os seus passos ao mesmo. E todas as justificações são
feitas em torno dele. Do umbigo.
Ser adulto tem destas coisas.
Fico feliz que me tenham dito que eu não tinha umbigo.
Tornou-me consciente de que o tinha e livrou-me da necessidade de olhar
constantemente para ele. Às vezes olho. E, num ou outro momento, também faço
dele o centro do mundo. Mas não é sempre. Porque aprendi, em criança, que,
provavelmente, não era só eu que tinha umbigo. E que o umbigo dos outros devia
ser como o meu.
No olhar que às vezes lanço sobre o meu umbigo, sinto que perco
paisagens do mundo e oportunidades. Então, faço por não olhar muitas vezes só
para ele. Mas, quando os olhos me largam esse ponto epicêntrico da barriga, o
cenário é simples: está toda a gente a olhar para o próprio umbigo.
Um fascínio que não se quebra com a constatação de que ele
existe. O umbigo. E que move as pessoas. E que toma decisões pelas pessoas. E
que faz as pessoas viver em torno de uma coisa só. O seu próprio umbigo.
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