Não digas a ninguém que me amas. As pessoas não vão
entender, como também eu não entendo. Não digas a ninguém que me amas.
Trago nas mãos. Nas mesmas mãos que demos e onde dedos se
enlaçaram. Trago nelas o vazio. E o sabor salgado dos teus lábios, guardo-o nos
recantos poeirentos dos meus, enxutos de paixão e de fé. A palavra amor ainda
ecoa. Sórdida. Inesperada. Acidental. Falaste-me de amor. Porquê? Não devias ter-me dito. Não devias
ter dito a ninguém.
Tínhamos a aceitação. Tu fingias não ver o monstro sob a
minha pele. Eu fingia que podia sentir de forma casual a partilha dos momentos.
E era na aceitação que bebíamos a esperança de que amanhã pudéssemos ainda
encontrar-nos pelas ruas e selar beijos escondidos da multidão. Traíste-me.
Falaste de amor. E acabou. Porque não havia amor. Havia apenas ilusão e
mentira. E um monstro, que era eu. E uma pessoa, que eras tu. Ninguém pode amar
um monstro.
Amor. As tuas palavras despidas. Despidas até ao tutano da
alma. Despojadas de tudo o que a palavra amor deve ter. E as minhas palavras.
Iguais. Reais. Assustadoras. Não. Quem me dera que nunca tivéssemos falado de
amor. Quem me dera que tivéssemos tido a força de saber que as regras
fundamentais do mundo não podem ser quebradas, nem mesmo por nós.
Palavras. São só palavras. Mas as palavras são sempre algo
mais. Não digas a ninguém que me amas. Dá às gentes o silêncio que, em vez de
ti, hoje me beija. Não digas. Não digas a ninguém essas palavras. Não digas a
ninguém que me amas.
No lugar de mim, está
a dor. No lugar de ti, a ausência. No lugar de nós, o riso desvairado da
multidão. Não lhes digas. Não lhes digas
que me amas. Que me amaste. Não fales de amor.
Desassossega-me o olhar furtivo lançado ao vidro fosco da
parede da minha memória. Qual espelho, reflete-se nele a minha mágoa.
Reflete-se nele a história. E é como se não existíssemos. Como se fossemos esse
amor que anunciaste, de forma fortuita e vazia. Há somente pedras quebradas no
chão da minha esperança. E a certeza de que nunca poderia ter acreditado num
amor assim.
Não digas a ninguém que me amas. Faz do coração bandeira e
do amor segredo. Não digas a ninguém que me amas. É melhor assim.
Amor. Palavra solta. Vazia. Usada para dar ao sonho gasto a ilusão do que não é. Por que
razão falarias de amor? O meu rosto desfigurado das lágrimas não despertaria sentidos
em nenhum universo de compaixão. E, se sou indigna do amor de alguém, que razão
louca poderia, alguma vez, fazer-me merecer o teu? Logo o teu, que és único no
universo e, simultaneamente, o universo inteiro. Não mereço o teu amor. Não mo
dediques. Mas, principalmente, se o sentires, não fales dele. Deixa-o amornecer
num qualquer canto silencioso de ti.
Não digas a ninguém que me amas. Nem mesmo a mim. Nunca
mais. Não o digas! Afinal... por que razão dirias? Não sou digna de amor. Não!
Não digas a ninguém que me amas. O meu sorriso não é motivo que te valha a
mentira. Guarda-a para ti. Incapaz de a esquecer, eu vou abraçá-la com carinho.
Até dormir. Até morrer. Mas não digas a ninguém que me amas. Ninguém pode amar
um monstro.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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