Se não fosses tão bonita, encontrarias no caminho das flores
os espinhos e, nas ruas da fidelidade, os contornos da dor pejados de crueza.
Se não fosses tão bonita: Em vez de sorrisos, pedras. Em vez
de palavras, silêncios. E tropeços. E rasteiras. Pedaços reiterados de
injustiça nos jardins da serenidade.
Se não fosses tão bonita. Mancharia a pele branca o negro da
mácula e trarias sob o olhar a insónia tatuada das noites choradas.
Se não fosses tão bonita: solidão de fel na promessa de
alguém. A pessoa que diz que vem e não chega. Aquela que chega e te rasga a fé.
Aquela que vai e te rasga a alma. Pedaços de lâmina entre as pulsações,
cortando o peito por dentro. Palavras de desagrado, mentidas, oleadas nas mãos
secas da desumanidade.
Se não fosses tão bonita, olharias o horizonte para
descobrir a parede de betão e concreto. Cada passo seria a luta de uma
eternidade. Um avanço duro, esgotado de forças, esgotado de ti. E o sangue nas
mãos que embatem contra o destino que se não move. Fumo em vez de nuvens. Penhascos
em vez de céu.
Espelho meu, espelho meu. Se não fosses tão bonita. Nas tuas
palavras de atrito. No teu pensamento interrogativo. Na tua forma de ver o
mundo. Se não fosses tão bonita. Na brusquidão da tua sinceridade. No erguer do
sobrolho da tua inquietude. Na profundeza da tua mente irrequieta. Nas tuas
perguntas dispersas, que descentram os limites e incomodam as pessoas. Se não
fosses tão bonita...
Amei-te a alma. Lá, no jardim dos espinhos. Por entre as
pedras, e os silêncios, e os penhascos. Espelho meu, espelho meu. Um medo que
atordoa. Um pensamento que mói. E plantei flores no jardim da mágoa, construí
muralhas com as pedras do caminho, cantei canções nos silêncios ancorados do
mundo. Dos penhascos fiz asas. Dos espinhos fiz armas. Não sabia que serias tão
bonita.
Espelho meu, espelho meu. Pela beleza do teu rosto que te
suaviza a rudeza das palavras. Pela leveza do teu corpo que emerge as noções do
teu questionamento. Pela forma ténue dos movimentos que agradam mesmo aos
pobres de espírito. Sou eternamente grata aos Deuses.
O mundo que embateu contra mim, embala-te. As pessoas que me
pisaram, elevam-te. O mundo que me destruiu, coroa-te. Mas ainda és espelho de
mim. Não te perdeste no embalo do mundo nem te iludiste com a realeza das
vénias.
Se não fosses tão bonita... o mundo seria diferente se não
fosses tão bonita. Mas tu não. Tu serias igual. E ainda terias as asas, e a
música, e a muralha. Ainda terias um jardim de flores plantadas. E ainda me
terias ao lado, empunhando as armas de espinhos. Chegarias ao horizonte. Nem
que te levasse ao colo.
Espelho meu, espelho meu: se não fosses tão bonita, ainda
serias o meu mundo.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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Que texto lindo Mah :D
ResponderEliminarEssa suavidade das palavras,as nuances,ficou tudo incrível junto :)
Eu nem sei o que dizer,porque tudo parece muito pouco para expressar a profundidade e grandiosidade das suas palavras,literalmente me deixou sem fala hehe
Meu trecho preferido foi "Espelho meu, espelho meu. Pela beleza do teu rosto que te suaviza a rudeza das palavras. Pela leveza do teu corpo que emerge as noções do teu questionamento. Pela forma ténue dos movimentos que agradam mesmo aos pobres de espírito. Sou eternamente grata aos Deuses."
Parabéns :D
Beijinhos,Jenny ^.^