quarta-feira, 6 de abril de 2016

A feira dos enganos


"Vendo verdades por 5 cêntimos. Preço por palavra." Era o que dizia o letreiro. Mesmo à frente da banca vazia. Mesmo à frente da rapariga de olhar realista e duro. De braços cruzados. Semblante firme, desencantado com a vida. Tinha ar de pessoa que conhecia o mundo. E, à sua frente, o letreiro. Um letreiro onde se lia: "vendo verdades por 5 cêntimos. Preço por palavra.".

Mas ninguém se aproximava dela. Embora fosse bonita. Se lhe dissessem que o era, provavelmente diria apenas que a beleza era um conceito inexistente, feito e formatado para integrar padrões irrealistas e fazer as pessoas gastar fortunas à procura do ideal  da perfeição. Ninguém lhe dizia que era bonita. Ninguém se aproximava dela ou da banca onde permanecia, vendendo verdades.

Quando começara a vender verdades, tinha vendido uma ou duas. Tinha vendido a alguns depressivos, presos em relacionamentos abusivos ou sem amor, a noção de que tinham duas pernas e desculpas demais. Tinha vendido a alguns famosos a ideia de que, no prazo de dez anos, ninguém saberia quem eram. Tinha vendido a algumas beatas a ideia de que não importava quantas promessas faziam e cumpriam, nem quantos Domingos passavam a murmurar orações na igreja, se a seguir tricotavam e vestiam nos becos das ruas alguns dos traços mais desprezíveis da humanidade.

Fizera poucas vendas. Todas repletas de qualidade. Mas poucas. E pouco importava a qualidade do produto que vendia. Ninguém gostava dele. A verdade estava para as palavras como os brócolos estavam para os legumes. Não importava quão bons fossem, a grande maioria das pessoas seria sempre, de alguma forma, intolerante a eles.

Ela continuava lá. De braços cruzados. Na feira. À espera do cliente que não vinha. E ela sabia que não vinha. Nem dizia a si própria outra coisa. Sabia que ia levantar-se da cama. Abrir a banca. Esperar pela hora do fecho. Sem uma venda. Nem uma sequer. Levantava-se apenas para colocar o letreiro e o retirar. O letreiro onde se lia: "vendo verdades por 5 cêntimos. Preço por palavra.".

A feira tinha a abertura e o fecho. A banca estava vazia. A feira enchia e esvaziava. A banca estava vazia. E, na banca vazia, ela estava cheia de verdades para dizer. Mas ninguém queria ouvi-las.

Ao seu lado, outra banca. A fila alongando-se por metros e metros. As pessoas expectantes. Mesmo ao pé da banca vazia, que ignoravam. Alinhavam-se, em filas mais ou menos coordenadas. Com risinhos e conversas fúteis. Aguardando pela vez. Ao lado da banca vazia da rapariga das verdades, estava a  mais popular da feira. Sempre cheia. Da abertura ao fecho. Também tinha um letreiro. O letreiro dizia "Vendo mentiras bonitas a  10 cêntimos por palavra.".

Marina Ferraz



*Imagem retirada da Internet

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2 comentários:

  1. Este texto lembrou-me tanto outro teu,onde dizia "Toda a gente diz que sim. Mas ninguém quer a verdade" porque ela dói,põe a prova teus conceitos e teorias,e ninguém gosta da sensação de estar enganando a si mesmo,então simplesmente fecha os olhos e prefere mentiras.
    Esta banca continuará vazia enquanto a facilidade for querida,mas há quem saiba apreciar as verdades da vida.
    Adorei o texto :D
    Beijinhos Jenny ^.^

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  2. O imaginário ou ilusório,vividos ou não,que cada um interprete da forma que entender! Todos querem as verdades, de facto. Mas, não as aguentam! Então criamos um Universo onde tudo nos parece menos doloroso,angustiante!Gosto da maneira que escreves e as ilações,são muito minhas.Bem hajas.

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