"Vendo verdades por 5 cêntimos. Preço por
palavra." Era o que dizia o letreiro. Mesmo à frente da banca vazia. Mesmo
à frente da rapariga de olhar realista e duro. De braços cruzados. Semblante
firme, desencantado com a vida. Tinha ar de pessoa que conhecia o mundo. E, à
sua frente, o letreiro. Um letreiro onde se lia: "vendo verdades por 5
cêntimos. Preço por palavra.".
Mas ninguém se aproximava dela. Embora fosse bonita. Se lhe
dissessem que o era, provavelmente diria apenas que a beleza era um conceito
inexistente, feito e formatado para integrar padrões irrealistas e fazer as
pessoas gastar fortunas à procura do ideal
da perfeição. Ninguém lhe dizia que era bonita. Ninguém se aproximava
dela ou da banca onde permanecia, vendendo verdades.
Quando começara a vender verdades, tinha vendido uma ou
duas. Tinha vendido a alguns depressivos, presos em relacionamentos abusivos ou
sem amor, a noção de que tinham duas pernas e desculpas demais. Tinha vendido a
alguns famosos a ideia de que, no prazo de dez anos, ninguém saberia quem eram.
Tinha vendido a algumas beatas a ideia de que não importava quantas promessas
faziam e cumpriam, nem quantos Domingos passavam a murmurar orações na igreja,
se a seguir tricotavam e vestiam nos becos das ruas alguns dos traços mais
desprezíveis da humanidade.
Fizera poucas vendas. Todas repletas de qualidade. Mas
poucas. E pouco importava a qualidade do produto que vendia. Ninguém gostava
dele. A verdade estava para as palavras como os brócolos estavam para os
legumes. Não importava quão bons fossem, a grande maioria das pessoas seria
sempre, de alguma forma, intolerante a eles.
Ela continuava lá. De braços cruzados. Na feira. À espera do
cliente que não vinha. E ela sabia que não vinha. Nem dizia a si própria outra
coisa. Sabia que ia levantar-se da cama. Abrir a banca. Esperar pela hora do
fecho. Sem uma venda. Nem uma sequer. Levantava-se apenas para colocar o
letreiro e o retirar. O letreiro onde se lia: "vendo verdades por 5
cêntimos. Preço por palavra.".
A feira tinha a abertura e o fecho. A banca estava vazia. A
feira enchia e esvaziava. A banca estava vazia. E, na banca vazia, ela estava
cheia de verdades para dizer. Mas ninguém queria ouvi-las.
Ao seu lado, outra banca. A fila alongando-se por metros e
metros. As pessoas expectantes. Mesmo ao pé da banca vazia, que ignoravam.
Alinhavam-se, em filas mais ou menos coordenadas. Com risinhos e conversas
fúteis. Aguardando pela vez. Ao lado da banca vazia da rapariga das verdades,
estava a mais popular da feira. Sempre
cheia. Da abertura ao fecho. Também tinha um letreiro. O letreiro dizia "Vendo
mentiras bonitas a 10 cêntimos por
palavra.".
Marina Ferraz
Este texto lembrou-me tanto outro teu,onde dizia "Toda a gente diz que sim. Mas ninguém quer a verdade" porque ela dói,põe a prova teus conceitos e teorias,e ninguém gosta da sensação de estar enganando a si mesmo,então simplesmente fecha os olhos e prefere mentiras.
ResponderEliminarEsta banca continuará vazia enquanto a facilidade for querida,mas há quem saiba apreciar as verdades da vida.
Adorei o texto :D
Beijinhos Jenny ^.^
O imaginário ou ilusório,vividos ou não,que cada um interprete da forma que entender! Todos querem as verdades, de facto. Mas, não as aguentam! Então criamos um Universo onde tudo nos parece menos doloroso,angustiante!Gosto da maneira que escreves e as ilações,são muito minhas.Bem hajas.
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