Nasci no Verão. Sempre me liguei mais ao Outono. Talvez porque, se a matemática não me falha, fui gerada nessa estação, com a queda das folhas. Disseram-me muitas vezes que, como elas, a minha vida seria em queda. Como se eu fosse a folha frágil que tomba, sem capacidade para se agarrar aos ramos e sobreviver. Não é que eu faça muita questão de sobreviver. Mas ainda aqui estou. Tomando as tonalidades quentes do mundo, perseverando e seguindo para o Inverno com a seiva muito viva em mim.
Todos os anos, atravesso o Inverno e a Primavera para chegar ao Verão. Chego caótica. Com sardas no rosto, fazendo reticências na pele branca que escondo do sol sempre que possível. Cansada de esticar o cabelo, até porque o treino de braços do ginásio me chega, desisto mais vezes de sequer me pentear. As ondas e cachos bravios fazem um retorno, dando razão às placas dos cafés onde se lê “há caracóis”. E eu transformo-me, assim, num misto entre um dálmata e um poodle, caminhando nas mesmas ruas e escondendo-me no mesmo covil.
Olho para mim e sei que é Verão. Mas, quando abro as páginas das redes sociais, descubro que as duas estações do momento são o Inverno e o Inferno. Há um frio nas pessoas de enregelar a alma, e o mundo vai ardendo com temperaturas que negam quem nega as alterações climáticas e um ambiente de guerra e medo, um pouco por todo o lado.
As estações estão todas trocadas. Mesmo que as sazonais fotografias de pernoca ao léu ainda compitam com os anúncios dos ginásios para quem é crente no milagre do Espírito Santo... As estações estão todas trocadas. O mundo arde. Ora bomba. Ora incêndio. Fogos postos por homens que não merecem esse nome, pois não respeitam homens, mulheres, crianças, árvores, animais, nem coisa nenhuma...
Fico feliz por não acreditar num deus único, nem que ele criou o mundo, porque me incomodaria ter pena de deus. Mas num concílio de todos os deuses, de todas as fés, imagino que há um desespero agarrado à desistência, vertendo copos de gin tónico... porque é amargo como a visão terrena e embriaga os sentidos.
Vivaldi tocaria agora de forma muito diferente as suas Quatro Estações. Talvez fossem duas estações, mais desafinadas e grotescas. Uma peça que os pianistas só pudessem tocar em pianos partidos, aos quais já faltassem teclas.
Olho para mim e sei que é Verão. Há qualquer coisa em cima das minhas sardas. É realmente Verão. Tenho mar a fugir dos olhos.
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