terça-feira, 6 de agosto de 2024

Lentes

 

Fotografia de Ricardo Torb

Devia ter uns 13 anos. Quando o queixume sobre quão difícil me era ver o que escreviam no quadro ao sentar-me da segunda fila para trás deixou de ser interpretado como a nerdzinha que queria sentar-se nas primeiras filas para cair nas boas graças dos docentes, lá me levaram a um oftalmologista.

 

Ainda que não visse muito bem, não foi difícil de ver que o senhor – considerado o melhor da região – devia uns anos à reforma e agia como se já estivesse reformado. Cada gesto pedia permissão ao anterior para se dar. O desinteresse pautado nos olhos. Perguntas que julguei idiotas logo que entrei, entrando neste leque o velho: “então, porque estamos aqui?”. Ele estava porque era o trabalho dele e ainda não se tinha reformado. Eu estava porque via mal... que não tenho por desporto andar a correr as capelinhas da saúde privada.

 

Fez-me alguns testes. Pediu-me para ler letras cavalares e letras médias, ignorando as mais pequenas, como se elas não estivessem no painel. Deu-me duas palmadinhas nas costas. Disse que eu tinha os melhores olhos que ele analisava há anos. Entregou a astronómica conta à minha mãe e mandou-nos para casa, para continuar, assim, a sua atividade de dolce far niente.

 

Confirmava-se a suspeita da tripulação do navio dos tristes. A nerdzinha queria sentar-se nas primeiras filas para cair nas boas graças dos docentes. Seis meses depois fui saber uma segunda opinião e descobri que era míope. Lembro-me do espanto de ver a tal famosa linha do horizonte e de descobrir, pela primeira vez, que era efetivamente uma linha.

 

 

Hoje, com as minhas lentes de contacto, a olhar para o mundo, sinto-me muitas vezes na cadeira do meu primeiro oftalmologista... mas ao contrário.

 

Vejo claramente a roda do tempo trazer de volta a tirania, a censura, a disparidade social, a discriminação, o genocídio... vejo-o antes de estar nas notícias, antes de outros o dizerem. E, quase sempre, quando o comento antes do tempo certo me é dito que são teorias da conspiração.

 

 

As lentes pelas quais vejo o mundo têm atualmente 2,75 e 3 de graduação. Mas a História faz-me ver de forma muito clara o que, aparentemente, anda desfocado atrás das camadas de gatekeeping e dos interesses das grandes empresas. 

 

 

Mas sabem qual é diferença entre ter teorias da conspiração e ver para onde o mundo está a ir?

Exatamente a mesma que existe entre ter os olhos mais saudáveis do mundo e ser míope...

Seis meses!


  Marina Ferraz




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