Fiz da minha vida um alinhavo de palavras. Do meu quotidiano,
um nome comum, onde os colectivos se ocultaram, na sombra de cidades e de
pessoas cujo nome próprio se esbateu ou se fincou, em mil memórias e mil
esquecimentos. Fiz da minha vida um alinhavo de palavras que se estende em
frases e em textos e em romances.
No mundo gramatical da minha vida, não és virgula nem ponto
final. Não te coloco nas frases dos meus dias como se pudesses pontuá-las. Não
faço de ti "ous", nem "ses", nem "porques". Não
te deixo servir de conjunção, unindo pontos sem emenda. Não faço de ti adjectivo
para avaliar os contratempos e a felicidade, para descrever isto ou aquilo. Não
és determinante nem pronome. Não há nada de definido ou indefinido em ti.
Quando se trata de ti, não há possessivos, nem demonstrativos, nem numerais.
Então, na gramática de mim, não poderias ser nada disto. E, não podendo ser
nada disto, no mundo gramatical da minha vida, tens conjugações e tempos. És o
verbo das frases insensatas da minha vida.
Consigo conjugar-te com facilidade. Vens no presente do
indicativo dos verbos "sentir", "adorar", "querer".
Vens no futuro do verbo "fixar", "continuar",
"seguir", "permanecer". E deixas no pretérito perfeito os
verbos "sofrer", "chorar"; os verbos "desistir" e
"perder", os verbos que me acompanhavam num presente de desilusões
que não existem contigo. És o condicional do verbo "ser" porque
sempre me perguntei como seria encontrar alguém que me conjugasse no pretérito
imperfeito para me dizer "era por ti que esperava".
És o verbo do mundo gramatical sobre o qual construo a vida.
Às vezes és o "ser", o "estar"... pareces, permaneces,
continuas. Pedes-me os advérbios de modo, desconstróis-me a ideologia de
que seja necessário pensar em
complementos circunstanciais. Mas, circunstancialmente, arrancas-me os
sentidos, vais buscar tempos compostos ou conjugas-te nos modos do conjuntivo.
No mundo gramatical da minha vida, não és virgula nem ponto
final. Não és conjunção, nem adjectivo. Não és determinante nem pronome. Não o és
porque não és o que se soma aos sentidos na busca de um sentido maior, melhor.
Não és o que completa a frase. Não és o que a aumenta. És tão somente a base sobre
a qual ela se constrói. A acção, o intento, a eternidade.
No mundo gramatical da minha vida és o que pode ser
conjugado e vivido. Não poderias ser outra coisa. Porque estás em cada parte de
mim. Porque me dás sentido. E, da mesma forma que não haveria vida sem ti,
também não há frases sem verbo.
Marina Ferraz