“Só se atiram pedras às árvores que dão
fruto.” (Provérbio Africano)
6 da manhã. Eram 6 da manhã quando
acordei, saltando da cama para trabalhar, para me arranjar, para fazer malas.
Estava a 1827 km de distância de Lisboa. Cerca de 1300 deles eram líquidos.
Literalmente. Oceano Atlântico. O meu voo devia chegar pouco depois das 16
horas. Houve 4 atrasos. Saímos depois das 17 horas. Cheguei a Lisboa duas horas
e meia depois. Uma hora e meia depois da chegada, já estava no palco do Campo Pequeno.
As pessoas falam. O que as
pessoas veem raramente é uma imagem completa. É muito fácil criticar essa
imagem. Essa imagem que é, não se enganem, apenas o culminar de mil imagens
ocultas. Por estarem ocultas, essas imagens não importam. Então, falar é fácil.
A crítica parece natural. Escorre pelos cantos dos lábios. Pessoas sedentas da
sua própria opinião, enaltecendo-a e partilhando-a desenfreadamente, no desejo
de que conte para alguma coisa. Mas essa opinião?! Tão frequentemente vazia!
Tão escassa de conteúdo! Não serve para nada. A agressão (quase sempre) diz mais sobre os agressores do que sobre os alvos da
agressão. E esvaece. Dissipa. Deixa um cheiro pestilento.
Ontem assisti, num lugar de
destaque, a algo que me emocionou. Goste-se ou não se goste, reuniram-se em
sala 7 mil pessoas para um evento. Goste-se ou não se goste, reuniram-se online
mais de 300 mil pessoas. Goste-se ou não se goste, houve apresentadores,
comédia, concertos, lutas e um combate. Goste-se ou não se goste, tudo isto
surgiu por conta de um homem que muitos afirmam menino e que, dos seus 25 anos
de vida, ousou sonhar alto. Goste-se ou não se goste, assistiu-se a um momento
que deixou os presentes de coração na mão. Goste-se ou não se goste, viu-se o
menino perder o combate. Goste-se ou não se goste, viu-se que o público ainda
gritava o seu nome e que os apresentadores ainda enalteciam a sua coragem.
Nasceram comentários desse “goste-se ou
não se goste”.
Goste-se ou não se goste,
acaba-se por ceder à curiosidade de ler as palavras dos outros. Umas de alento,
outras de tom cómico e jocoso. Mas tão poucas. E, depois… umas de crítica, umas
de gozo, umas de ataque… a maioria de uma maldade que – perdoem-me a inocência – julgo quase inesperada. Tive uma avó – perdoem-me a enésima menção – que me
ensinou que ser-se bom e gentil é importante. Então, o expectável é, por vezes,
inesperado para mim… As palavras são duras. As palavras são importantes. As
palavras são arma. As pessoas adoram balas perdidas. E os outros? Que outros?!
Algures no guião (que – sim – estava num teleponto!), o
meu co-host perguntou-me se eu não
era mais das palavras e respondi que “cada
um combate como pode”. Eu não queria escrever este texto. Mas houve algo
nas 6 rondas de um duelo que me inspirou a manter elevadas as mãos que escrevem… sei que a escrita é a minha luva. E não vou desistir.
Então, se todos gostam dos
golpes baixos atrás da proteção luminosa dos ecrãs, não encontro real motivo
para não soltar as palavras nesse mar-teia, de navegação fácil. Principalmente
quando o meu lugar de fala é de quem às 6 da manhã preparava uma viagem de 1827
km para estar num palco a falar para 7 mil pessoas ao vivo e 300 mil pessoas
online, para assistir à coragem de quem fez do ringue um palco muito próprio,
colocando uma modalidade quase esquecida nas bocas de um país inteiro. Goste-se
ou não se goste, aqui estou. E é tão simples o que tenho para dizer, depois
desta introdução longa que, goste-se ou não se goste, escrevi…
Acontece que para se perder um
combate é preciso lutar. E para errar uma fala é preciso falar. E que para ter
um momento menos bom no ringue é preciso entrar nele. E que para ter um momento
menos engraçado num palco é preciso atuar e enfrentar a multidão e as câmaras.
Há pessoas que nunca erram. Que
nunca gaguejam. Que nunca falham uma palavra. Que nunca levam um soco. Que
nunca perdem um combate. Que nunca se enganam. Que nunca têm olheiras. Que
nunca se desorientam. Que nunca avançam cedo demais. Que nunca desistem a
tempo. Há pessoas assim.
A todas as outras: Parabéns.
Marina Ferraz
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