terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Regras de trânsito

 


As estradas portuguesas estão ornamentadas com outdoors políticos. Esta é uma estratégia política que deverá ser conveniente para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, porque tira aos condutores a vontade – e a capacidade – de dormir. Estima-se que, numa inusual parceria, o PS, o PSD, o Chega, a Iniciativa Liberal, o PCP, o Bloco, o PAN e os outros já tenham evitado milhares de acidentes de viação causados pela sonolência. Passando por eles, fica-me sempre um impropério na ponta da língua. Dura pouco, é verdade, que os buracos na estrada estão também estrategicamente colocados para evitar rotinas de sono ao volante e amenizar ódios momentâneos.

Conduzir significa ter de olhar para quem quer conduzir-nos. Frequentemente para quem quer despistar-nos. Frequentemente para quem já nos capotou. Mas dizem todos que são estrada segura. E que é preciso limpar Portugal, como quem encontra uma casa em ruínas e diz que é preciso limpar as janelas. As causas somam-se por causa do que as causas dos outros fizeram. E não consigo deixar de pensar que é irónico. O mundo. A forma como, na beira da estrada, se prostituem cartazes. Justamente na beira da estrada. Quando as regras que seguimos, a conduzir, são tantas vezes antagónicas às que deveríamos seguir quando votamos.

Não existem dúvidas de que a circulação intercalada tem sido máxima do voto português, mas por mais democrática que seja a ideia do “agora passas tu, depois passo eu”, posso garantir que o D saltitão não está a ajudar o país. Também não o ajuda, na política pelo menos, abrandar nos sinais amarelos; parar nos sinais vermelhos (ou serão bandeiras?); ir à velocidade recomendada... ainda que seja um sinal de segurança rodoviária, tudo isto pode ser sinal de imprudência democrática. Anuir como o cachorrinho de bagageira é um convite para definir o trajeto do GPS rumo ao Tempo da Outra Senhora.

Em campanha, todo o político faz pisca, indicando para onde quer ir. À última da hora, quando surge a oportunidade, todos eles viram para um lado imprevisto. Há muito mais caos nas estradas dos nossos desgovernos do que em Lisboa, mesmo em hora de ponta. Porque não é uma hora de ponta, são quatro anos de pontos e nenhum político dá ponto sem nó.

Conduzindo e olhando para os cartazes, para as obras infinitas nas estradas e os polícias que servem de fiscal de obra, concluo que as estradas portuguesas são espelho do país, mas as regras de trânsito não são. E, depois do pisca à esquerda para passar por mais uma via impedida por obras municipais. Depois do pisca à direita para cumprir a lei rodoviária da circulação, a diferença torna-se ainda mais visível para mim. Posso garantir que também é muito pouco sadio, no caso da política, conduzir o mais à direita possível. E não deixo de pensar, com alguma tristeza, que vou ver desfeito o que a geração dos meus avós fez em nome da nossa liberdade.

Está um frio de rachar. No meu carro, olho à volta para garantir que posso entrar na estrada perpendicular. Vou cortar à esquerda e deixo passar uma senhora com um saco de compras pesado e um olhar mais pesado do que as compras. É suposto o cruzamento dar prioridade ao peão. Mas a cruz que fazemos no boletim só dá prioridade a quem ganha. E, claro, eles querem que votemos. Pedem-nos que votemos. Não nos conseguindo convencer em quantidade, tentam em frequência. E lá vamos nós para mais umas eleições antecipadas. Pelas estradas. Ornamentadas com cartazes. Ofuscadas pelos sorrisos brandos e negligentes. Tentamos evitar os buracos. Mas só há buracos. Caímos nos buracos… outra vez… e resta ver qual será agora o dano. Ah… e nas estradas também.  


Marina Ferraz




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