Tolkien falou de anéis. Repletos de poder. Três para os elfos, sete para os anões, nove para os homens mortais e um que os dominasse a todos. Mas nunca falou deste. Este que tem o sol lá dentro. E que colocaram no meu dedo anelar, sob a forma de promessa inquebrável, indizível. E este é um anel que controla até os mundos que não sabemos que existem.
Foi em Dezembro. Um Dezembro como este que se aproxima. Foi em Dezembro que, vendo-me usar o polegar para tocar o anelar da mão direita, por sob o indicador e o dedo médio, a minha avó fez um sorriso triste, de compreensão. Também ela mexia constantemente na aliança. A dela no dedo esquerdo. Eu tinha tirado o anel. Ficara o hábito.
Da sua expressão de entendimento, que já tanto valia, seguiu-se o toque. A mão dela – sempre fria – sobre a minha – não mais quente. Olhou-me com olhos de mel e meiguice. E disse-me que escolhesse um anel que substituísse o antigo. Disse-me que mo daria pelo Natal.
O anel que escolhi, pequeno e de malha simples, de prata, lembrava-me dela. Metal corrente, mas valioso, de uma simplicidade extrema e sem artifício. Uma beleza singular, que muitos não notariam. Possivelmente passaria despercebido na minha mão, como passara despercebido a todos os que tinham visitado a loja antes de mim.
O preço baixo do anel escolhido desagradou-lhe, mas não se opôs à minha vontade. E, da pequena caixa expositora ele passou para outra, onde morou até ao dia de abrirmos prendas, todos juntos, celebrando mais a família que temos do que aquela que alegadamente terá abençoado o mundo com um filósofo comunista numa manjedoura algures.
Aproximei-me dela, agradecendo. E, estendendo-lhe a caixa, pedi-lhe: se este é um anel de compromisso, peço que sejas tu a pôr-mo. Olhámos uma para a outra. Sorrimos uma à outra. E ela, que quase sempre ripostava, não disse nada. Agarrou a minha mão com a sua mão fria. Mas parecia quente, quando firmou, num gesto, a nossa promessa eterna que nos dedicou uma à outra. E consagrámos o amor, debaixo das decorações festivas e independentemente delas. Sempre. Para sempre.
Todos os dias tiro o anel para dormir. Todos os dias o ponho logo pela manhã. E todos os dias me dedico a ela. Todos os dias lhe digo que a amo. Todos os dias cumpro a promessa que lhe fiz nesse silêncio pintado de burburinho alheio.
E, quando o olho na palma da mão, diretamente antes de me dedicar novamente a esse ritual de pertencer-lhe, todos os dias me sinto como se o toque frio da mão dela na minha me aquecesse a alma, exatamente como o fez ao pôr o anel no meu dedo pela primeira vez. E é uma espécie de sol cinzento. Pequenino. Onde o compromisso eterno aquece até o mais frio dos invernos.
Tolkien falou de muitos anéis. Mas nunca falou sobre este. O meu pequeno sol cinzento. Que nasce pela manhã na palma da mão. E ressuscita os mortos. E a traz de volta. Todos os dias.
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