Escrevo esta carta porque me sinto profundamente solidário com a sua sensação de descontentamento face à disciplina de Cidadania. Na verdade, esta preocupação é algo que trago comigo há muito tempo e que venho a silenciar pelo medo de represálias. Acredito, pois, que a média escolar do meu encarregado de educação possa ser afetada pela não aprovação na unidade curricular supramencionada.
Para que tenha uma noção do que me preocupa, destacarei os aspetos que me parecem mais relevantes neste contexto, desejando que a multiplicidade de temáticas que abordarei não seja demasiado ampla, tornando esta carta demasiado extensa e roubando o seu precioso tempo... bem sabemos que a tarefa de tentar manter um status quo propício às grandes economias e à autoridade do Estado nem sempre é fácil. Tentarei ser tão breve quanto possível!
O meu filho encontra-se atualmente no 9º ano, sendo este o seu terceiro ano de contacto com a disciplina de Cidadania. Há algumas semanas, devido a um trabalho de escola, recebemos os seus amigos para um trabalho de grupo. Eram dois rapazes, um caucasiano e lisboeta e outro de pele negra e com sotaque (não sei se nascido cá ou no estrangeiro) e uma moça brasileira que recentemente veio com a mãe viver para Lisboa. Assisti, em choque, à forma simpática como os recebeu à porta e fiquei aterrorizado quando, ao jantar, contou que o seu melhor amigo Marcos era homossexual e namorava com outro colega de turma, e se confessou, ainda, apaixonado pela rapariga brasileira, falando exaustivamente da forma como pretendia convidá-la para o cinema e levar-lhe um ramo de flores nesse dia. Quando falámos sobre a importância da proteção, caso o namoro se efetive, respondeu-nos, sorrindo, que sabe disso, mas ainda não se sente preparado para “voos tão altos”.
Esta não foi, ainda assim, a primeira vez que senti o impacto das noções que a escola implantou na mente do meu filho. No 7º ano, para que tenha noção, fomos obrigados a alterar as nossas rotinas e hábitos para integrar a reciclagem no nosso quotidiano e, no ano passado, quase que nos obrigou a ir votar, obrigando-nos, a mim e à mãe, a vestir roupa de sair e a abdicar de parte do nosso domingo que, como possivelmente acredita, é o dia do Senhor e não se deve macular com trabalhos...
Por causa da terrível ideologia que estão a passar à nossa criança, imagine, já nem sequer podemos caminhar pelas ruas lisboetas, sem parar para deixar esmola aos sem-abrigo ou sem ouvir, por quilómetros, como o direito à habitação e à saúde são direitos humanos que não estão a ser cumpridos... Além disso, este tipo de preocupação faz com que as suas leituras incluam livros que talvez sejam desadequados, sobre questões sociais e políticas, quando na idade dele eu só lia as aventuras dos Cinco e dos Sete...
Senhor Primeiro Ministro, as amarras ideológicas da Cidadania estão a desesperar-nos! Mais ainda porque, apesar de tudo isto, acreditamos verdadeiramente que a média do meu filho será afetada pela nota, que só poderá ser negativa. Afinal, veja lá bem, mesmo com tudo isto ele ainda não cumpriu os objetivos fundamentais da disciplina! Ainda não virou gay, ainda não começou a cometer vandalismo, ainda não se revoltou contra nós e ainda não iniciou precocemente a sua vida sexual...
Espero honestamente que, no futuro, consiga colmatar as falhas no sistema educacional, que mais não querem do que prender as crianças a terríveis amarras ideológicas! É que corremos o risco que estes miúdos se tornem bons cidadãos... e, quando votarem, tirem pessoas como você do poleiro a partir do qual prendem as pessoas à necessidade com amarras, sem tempo para ideologias que combatam a tirania.
Assinado,
Um encarregado de educação
P.S.: Como deve imaginar muitas das passagens desta carta são pura ironia. Quando saí, naquele domingo, por vontade própria e não obrigado pelo meu filho, embora ele aprove, fiz isso com muito orgulho... e não votei em si!
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