terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Vinte e quatro

 

Fotografia de Ana Leonor Jesus

 A minha sobrinha encontrou uma gatinha. Na verdade, uma gatinha encontrou a minha sobrinha. Aperceberam-se uma da outra. Na sua pequenez de gato de rua. Na sua pequenez de menina que não chegou ao metro e sessenta. Entreolharam-se.

 

Quando se cruzaram, a minha sobrinha estava a alimentar os gatos de rua. A gata percebeu o gesto compassivo e apaixonou-se por ela. Escolheu-a. E, mesmo sem autorização para abrigar animais dentro das paredes da casa, a minha sobrinha agarrou nela, escondeu-a dentro do casaco, e tirou-a do frio que se sentia na rua, sem hesitação.

 

Conta a minha sobrinha que não foi fácil. Diz que a gatinha estava assustada... sem nunca referir que ela própria o estava, já que o apego é rápido e a separação magoa. Mas quis a vida que pessoa e gato encontrassem aceitação. Que as paredes da casa se tornassem abrigo tolerado. Que se começasse a escrever uma história de gato – gata – com nome. Chanel. Uma história entre uma gata e uma humana que estabeleciam o vínculo: a partir de agora, tu és minha e eu sou tua.

 

Na casa da minha sobrinha são caminhas e brinquedos, aquecedor, comida de gato, água fresca, riso, carinho e brincadeiras – sendo a principal a de destruir a árvore de Natal. Entendam. Isto não é uma conjetura! Sei isto! Eu e a família inteira! Sabemos disto porque a adoção de uma gatinha transformou o grupo de whatsapp da família numa espécie de guerra interna, onde o bombardeamento é de fotos felinas.

 

A minha sobrinha arranjou uma gatinha. Por entre os mil e quinhentos vídeos do grupo, todos dizem é linda e fofinha. É. Mas eu confesso que me senti incapaz de responder. Porque também acho que é linda. Linda, diria eu, além dos olhos claros e dos cabelos louros. Linda de compaixão. Linda de carinho. Linda de amor. Com o tipo de beleza que só tem quem cuida. Então, ao vê-la cuidar assim daquela gatinha de rua – agora de casa – eu não fui capaz de dizer nada.

 

Mas digo hoje. E digo hoje porque, há precisamente vinte e quatro anos, houve uma noite em que chorou uma bebé recém-nascida. Porque ao olhá-la eu agarrei nela e a escondi dentro do coração, carregando-a para a vida, sem hesitação.

 

Do laço de amor criado, nesse primeiro dia, trago uma memória que também é riso e felicidade. Uma história entre uma criança e uma bebé que estabeleciam o vínculo: a partir de agora, tu és minha e eu sou tua.

 

Olhando para os vídeos de uma gata, eu vejo o ser humano, hoje mulher, que alimenta os animais de rua e os acolhe na própria vida. E, quando leio “é tão linda”, eu concordo...

 

Só que não estou a falar da gata!


 Marina Ferraz




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1 comentário:

  1. Anónimo13:37

    Delicioso como são sempre os teus textos. "Eu para ti sou apenas uma raposa igual a dez mil outras raposas e tu para mim és apenas um rapazinho igual a dez mil outros rapazinhos. Mas se me cativares, eu serei única para ti e tu serás único para mim. E se vieres às 4, pelas três já eu começarei a ser feliz." BJ

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