terça-feira, 24 de dezembro de 2024

A rusga

 

Imagem: DN/Lusa

Era dia de operação policial e mandava a rusga que se visse cada esquina, cada espaço, cada pessoa...

 

Os agentes da orgulhosa nação travaram a Liberdade, que passava. Disseram-lhe que se virasse e encostasse as mãos à parede. Era preciso revistá-la, ter a certeza que não andava por aí, com bens contrafeitos ou armas.

 

Não a pararam por acaso! A Liberdade, julgaram logo, tinha um aspeto exótico. Seria certamente estrangeira, tal como os Direitos Humanos, a Justiça e o Bom Senso, encostados à mesma parede, de olhos postos no chão. A Liberdade trazia traços próprios, inadequados e fora da caixa, vinha despida de politicamente corretos e cortesias desnecessárias. Quando a mandaram olhar as pedras da calçada, respondeu com dois impropérios secos e fitou quem, como ela, ali permanecia, segurando a parede, que bem pudera ser o muro que ela mesma tinha destruído em Berlim, há tantos anos...

 

Levaram-lhe as mãos aos bolsos. Deles, tiraram cravos contrafeitos, que certamente serviam de bala. Contentes, violentamente lhe colocaram os braços, antes estendidos, atrás das costas, agrilhoando-os com algemas de aço e insanidade. Levaram-na, no mesmo carro que o Bom Senso, a Justiça e os Direitos Humanos.


Ao chegarem ao posto, descreveram o acontecimento. Esta senhora... - assim se referiram a ela – é uma ameaça e faltou ao respeito às autoridades. E o agente foi fazendo perguntas aos colegas, para preencher o auto. O que lhe encontraram nos bolsos? – perguntou primeiro. Tinha cravos-bala contrafeitos nos bolsos. E o agente continuou: E ao verificarem os bolsos, encontraram Portugal? – os colegas abanaram veemente a cabeça. Não, Portugal não encontrámos...


E o Bom Senso riu-se. E a Justiça riu-se. E os Direitos Humanos riram-se. E a Liberdade riu também, porque era livre, ainda que a prendessem. E os agentes olharam para eles, questionando-os quanto ao riso. Porque se riem? Atiraram, secamente. A Liberdade sorriu abertamente, mas não disse nada. Mas o Bom Senso levantou os olhos do chão, fitou-os, fixando -os nos olhos e disse: É só porque, neste ponto, será ainda mais difícil encontrarem Liberdade se procurarem nos bolsos de Portugal...



Marina Ferraz




Fiquem atentos ao meu Instagram para saberem todas as novidades em primeira mão!




Se quiserem adquirir o meu livro "[A(MOR]TE)"

enviem o vosso pedido para marinaferraz.oficial@gmail.com



Sem comentários:

Enviar um comentário