terça-feira, 31 de dezembro de 2024

A última colherada

 

Imagem gerada por I.A.

2024 está a acabar e parece-se um bocadinho com aqueles cereais de marca branca que comprámos para experimentar, odiámos... mas que não deitámos fora, porque sabemos que há muitas pessoas a passar fome no mundo... Este último dia do ano sabe-me como esses cereais terríveis, que mais parecem cartão prensado e ficam moles em 2 segundos. Então, entusiasmo-me com a ideia de que a próxima caixa de cereais possa ser como as da infância, que me faziam feliz da primeira colherada ao beber do leite achocolatado que ficava no fundo da taça.

 

Tenho por hábito e tradição de 31 de Dezembro abrir o caderno do ano anterior para ler os meus 12 desejos. Avaliar quantos se realizaram e quantos ficaram por realizar. Escrever uma lista das melhores e das piores coisas do ano que acaba. Formular novos desejos para o ano que chega. Não o farei este ano. Para começar, no meio dos caixotes que povoam a minha sala, já não sei onde anda o caderno do ano passado. Depois, tenho quase a certeza de que ler os desejos me deprimiria. E sobre escrever sobre as coisas más deste ano... bem... não tenho a certeza de que as folhas do caderno chegassem!

 

É que 2024 não só teve o condão de ser um ano de merda, como teve um dia extra para o ser. Já dizia a minha avó que não gostava de anos bissextos... e ela lá sabia...

 

Este ano poderia ter sido o ano de desistir. Este ano poderia ter sido o ano de deixar morrer todo e cada sonho. Este ano poderia ter sido o ano de pousar canetas e armas e ideias e cravos... e afundar com o navio-mundo e tudo o que ele trouxe ao meu porto. Hoje, olhando criteriosamente o bom (também o houve) e o mau... mesmo sem o escrever... entendo que a vitória deste ano é estar viva, de pé... com um bocado de dores nas costas, mas é a vida.

 

Este ano, devo um sentido agradecimento ao mundo. Porque, à medida que a areia movediça dos dias me engolia, e mesmo sem que ninguém tivesse a perceção plena do que eu estava a passar, houve mãos que se agarraram à minha. Mãos que são família. Alguma de sangue. Alguma de alma. Mãos que são compaixão. Mãos que são amizade pura. Talvez eu conte essas pessoas pelos dedos das mãos. Lembrando-as nas horas junto de meninos e idosos. Lembrando-as no riso sobre almoços. Lembrando-as no arroz doce em frasquinhos de gelado. Lembrando-as rindo atrás do balcão. Lembrando-as, pintando-me – literalmente – pássaros que me dessem asas outras vez. Lembrando-as, indo atrás do microfone, mesmo com medo, para honrar o trabalho feito em conjunto. Lembrando-as, andando comigo, de um lado para o outro, à procura do futuro. Não importa realmente que sejam poucas, porque são reais. E agradeço-lhes, do fundo do coração, por não desistirem de mim, quando eu própria estive tão perto de o fazer.

 

Este ano acaba como o caos que me foi. Estou de trouxa às costas, prestes a mudar. Com o futuro todo – seja muito ou pouco – à minha espera.

 

E não quero avançar para 2025 sem recordar 2024 e agradecer, também, à pessoa mais importante da minha vida, que sou eu. Porque eu me levantei em todas as 366 manhãs deste ano. E as vivi de cabeça erguida, olhando nos olhos a vida, mesmo quando me roubava, torturava e mutilava cada sonho. Porque me abracei na maioria das noites. Porque pus álcool nas minhas próprias feridas. Porque caminhei nas brasas. Porque desci ao inferno. Porque escavei esse fosso com as mãos nuas, até sangrar dos dedos. Mas abri frestas. Respirei do ar rarefeito. Desfiz-me em duas. Passei pelos espaços e já vejo um bocadinho de luz. Portanto, estou grata por mim mesma. E orgulhosa. Porque se a intenção deste ano era derrubar-me... foi bem sucedido na tarefa. Mas se a intenção era destruir-me... falhou. Caí. Levantei-me. Estou preparada para cair e para me levantar outra vez. Não tenho muita vontade de o fazer, mas sei que posso contar comigo e com (poucos mas) bons amigos no processo.

 

Despeço-me de 2024. Como quem come aquela última colherada de maus cereais e sorri. O melhor deste ano é que, como tudo o resto, não é eterno. Para 2025, não tenho desejos. A vida que traga as oportunidades... eu trato do resto.

 

Vou começar por comprar os cereais que eu gosto. Porque mereço ser feliz da primeira colherada ao beber do leite achocolatado que fica no fundo da taça.


Marina Ferraz




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