Fechei os olhos por dois segundos. Foram só dois segundos,
não foram? Fechei os olhos por dois segundos e a vida passou.
Quando abri os olhos, não estavas aqui. O telefone tocava
insistentemente. Do outro lado, ninguém. Ficava o toque intermitente da desistência.
A mesa tem seis lugares mas sento-me só. Sozinha com os fantasmas que, há dois
segundos atrás, eram aqueles que juravam "para sempre".
Nesta mesa, recordo, fomos seis. E depois fechei os olhos
por dois segundos. Fiquei só. Fora, só dois segundos, não foram?
Retorna-me o olhar, no espelho baço, um rosto velho e
enrugado, emoldurado pelo branco dos fios gastos do cabelo. Seguram-me,
algures, três senhoras o mais frágil entre eles. Mas não cortam ainda. Querem
que veja, que saiba quão errado foi fechar os olhos por dois segundos.
Nas prateleiras há memórias emolduradas de uma vida que
perdi. Fechei os olhos por dois segundos e perdi-a. Como? Nem eu sei...
Onde foste, amor? A tua roupa desapareceu das gavetas e o pó
acumulou-se nelas, em seu lugar. Não há vestígio de ti, senão esse das molduras
velhas com as quais implicavas tanto. Ainda bem que não te ouvi! Como poderia
saber que foste real se não me ornamentasse o corredor esse teu rosto de anjo
taciturno?
Fechei os olhos por dois segundos. O pêndulo do velho
relógio está parado. Mas ouço ainda o seu tiquetaque na memória. Compassava-me
o pensamento e era fácil pensar. O relógio parou e pensar magoa, cansa. Porquê?
De novo, insistentemente, toca o velho telefone, sem que vivalma reaja ao
"olá" seco e arrastado que sai de onde antes estava a minha voz.
Foram só dois segundos. Fechei os olhos por dois segundos e perdi a voz.
Na mesa vazia, na cama vazia, na casa vazia, sinto a mente
cheia de quem fechou os olhos por dois segundos e perdeu uma eternidade. E a
velha do espelho, chorando, parece que ri de mim.
Cansei-me de deambular por entre a poeira e as memórias
emolduradas. Cansa-me porque magoa. Aquela rapariga, que era eu, nunca a fui.
Por entre o sorriso, não fui feliz. Mas não fui feliz porquê, se tinha tudo,
incluindo a mesa cheia, a cama ocupada, a vida plena? Por entre o brilho, não
fui jovem. Fui sempre anciã de anseios e idosa de sonhos. Mas pergunto à velha
enrugada do espelho: porquê?
Fechei os olhos por dois segundos. Fechei-os porque o cansaço
adensou, nos tempos em que nem cansaço deveria haver. É ridículo gastar tempo
de mesa cheia. Sento-me hoje só, com fantasmas e memórias. O telefone toca. O
relógio já não dá as badaladas. Nenhum tiquetaque. É assustador o grito
constante do silêncio que fica quando o telefone emudece.
Fechei os olhos por dois segundos. Foram só dois segundos,
não foram? Fechei os olhos por dois segundos e a vida passou. Deixou-me as
rugas no rosto, as memórias emolduradas e uma mesa de seis lugares, onde me
sento só, desejando o dia em que nela já não se sente ninguém.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet