Dos outros, eu nunca esperei outra coisa. Se me davam a
mágoa, era a mágoa que aceitava no peito. Dela, colhia o fruto amargo do
sofrimento. E abriam-se feridas na pele da alma. Cansada mas consciente. Dorida
mas terna. Não os culpava. Se me davam a mágoa, era a mágoa que eu aceitava,
sem outro gesto que não o de um sorriso leve e um agradecimento mudo.
Chamaram-me muitas coisas. Diziam-me sofredora, estúpida,
complacente. Tratavam-me como se, da aceitação, viesse a prova que me tornava
cúmplice de um crime contra a humanidade. Mas não. É só que, do outros, eu
nunca esperei outra coisa. E estava farta da solidão.
Dos outros, eu nunca esperei outra coisa. Se me enchiam de
mentiras os ouvidos, eram as mentiras que aceitava na pele. Delas, fazia poemas
sem rima. Textos sem pontuação. Romances sem prólogo, sem epilogo, sem
capítulos. Neles, procurava perder a noção da verdade, para dar espaço às
linhas em branco onde coubessem essas ficções desprezíveis, cheias de lacunas
justificadas com outras mentiras e outras lacunas impossíveis de colmatar. Agradecia
as mentiras. E tomaram por teimosia, por cegueira, por loucura, essa tonalidade
branca e cheia de gratidão. Mas não. Simplesmente, dos outros, eu nunca esperei
outra coisa. E estava farta de ver no espelho o meu reflexo sozinho.
Dos outros, eu nunca esperei outra coisa. Se me davam a ausência,
era da ausência que fazia companhia nas noites frias e era com ela que falava
sobre a vida. De mãos dadas com ela, percorri todas as ruas do desassossego e
algumas avenidas de saudade. Não tomei atalhos. Deixei que me arrastasse pelos
caminhos mais longos, falando sobre as mentiras e a mágoa. Respondia-lhe com
fé. Com esperança. E até a ausência falava da loucura nos meus olhos.
Expliquei-lhe. Expliquei-lhe que, dos outros, eu nunca esperei outra coisa. Que
era melhor a companhia inusitada da ausência do que a solidão de não haver quem
connosco pudesse partilhar os caminhos.
Dos outros, eu nunca esperei outra coisa. Como se nada
pudesse ser esperado daqueles que dão, de si, apenas o negrume que trazem
dentro. Como se nada pudesse pedir-se a quem vem ao mundo apenas para levar o
mundo nas mãos, roubando até a luz dos olhos dos outros para iluminar as vielas
onde as almas se fazem noite.
Foi fácil não esperar nada dos outros. Porque eles tinham
marcado, nos rostos que sorriam, as lágrimas de quem nunca chorou. Esse traço
de mágoa por sentir, que se acumula nas mãos e é infligido àqueles que com eles
se cruzam no caminho tortuoso da vida.
É muito simples distinguir, nas ruas, aqueles de quem se
pode esperar algo. É a menina que sorri ao mendigo que pede esmola, em vez de
se afastar. É o rapaz que ajuda a senhora de idade a atravessar a estrada, em
vez de troçar da sua condição. É o homem que corre atrás da senhora carregada
para lhe devolver a carteira, que deixou cair, em vez de a guardar para si. São
as pessoas que olham em redor, por entre a corrida desenfreada dos dias. Mas
são tão raras, essas pessoas, que desaparecem com facilidade no centro das
cidades repletas daqueles dos quais não se pode esperar nada.
E é por isso que, dos outros, eu nunca esperei outra coisa.
Nunca esperei deles mais do que as mágoas, as mentiras e o abandono. E não me
desiludi quando foi isso que delas recebi, porque compreendi que não tinham
mais nada para dar.
Mas de ti? De ti, esperei o mundo inteiro. Esperei um copo
de sol, todas as manhãs. Um abraço de ternura, todas as noites. Um dia de
sorrisos. Verdades sem camuflagem nem lacunas. De ti, esperei a companhia de
mãos que não se largassem nas ruas do infinito e nas avenidas da paixão. E não
foi nada fácil esperar isto de ti quando, de todos os outros, esperava somente
as mágoas, as mentiras e o abandono.
Tinhas um brilho nos olhos. Querias que o mundo fosse um
lugar melhor. E disseste-me que devia ter esperado mais... não dos outros, mas
da vida.
Disse-te. Disse-te que era melhor esse pedaço de nada do que
a solidão. E tu prometeste-me. Prometeste que não ficaria só. Nas tuas
palavras, nasceu a expectativa. De ti, esperei o mundo.
Deste-mo. Ele vinha num copo cheio de sol. Bebemos dele.
Ficámos embriagados dessa luz. Amanheceu em nós. De ti, eu não espero outra
coisa. Somente a felicidade. E a felicidade é saber que, de ti, posso, sem
medos, esperar o mundo.
Marina Ferraz
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
adorei este texto...identifico me bastante ...obrigada e muito sucesso
ResponderEliminaradorei os texto Marina, aliás como todos os outros, voce é uma ótima escritora, bjs
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ResponderEliminarInexplicavel poesia para os ouvidos e alimento para alma...estas fexando com chave muito profunda este ano...poetas tocam almas e fazem derramar lagrimas
Nossa amei o texto ...parabéns!!
ResponderEliminarAmei o texto...parabéns!!
ResponderEliminarlindo amei...tudo que escreves e muito profundo e os curto a anos...
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