segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Ampulheta

Era uma palavra e uma provocação. Mas, um segundo depois, ele sorriu e encolheu os ombros, como se não tivesse dito nada.
Eu tinha as mãos dadas com o tempo. Olhei para ele e ele olhou para mim. Depois olhámos os dois para aquele rapaz que, tão obviamente não fazia ideia do que eu sentia.
Foi então que o tempo tornou a olhar para mim e compreendeu que estava a mais. Não havia tempo para o tempo. Não havia tempo para nada além do meu amor, do meu desejo, correndo sob a pele em chamas, implorando por mais um toque.
Já estávamos a sós quando ele me disse para eu não olhar para ele com uma expressão tão séria. Mas eu não fiz caso das suas palavras. Deixei a dúvida cair no chão juntamente com a razão e a minha roupa e a roupa dele.
Perdi-me nos braços da perfeição. E, naquele momento, não era como se ele não me tivesse dito nada. Eu tinha-o. Ele tinha-me. Juntos tínhamos parado o tempo. Se continuássemos juntos talvez nunca deixássemos de ser jovens.
Eu disse “obrigada” e beijei-lhe o rosto com carinho na voz. Ele sorriu-me mas não disse nada. E eu quis morrer ali porque era fácil. Porque o tempo não fazia sentido e a recordação acabaria por desvanecer. Quando acordasse estaria só. Totalmente só. E os ponteiros do relógio tornariam a rodar, lembrando-me que a vida corre e ele não está. Lembrando-me que as recordações são tudo o que restou de nós.

Marina Ferraz

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

terça-feira, 22 de setembro de 2009

O Sopro da Saudade

- Foi o modo como olhaste para mim, naquele primeiro dia! – admitiu ela, baixando o olhar. Os seus olhos de avelã pareciam subitamente cintilar como as estrelas. – Foi a maneira como seguraste a minha mão e a certeza infinita com que me carregaste nos teus braços. Foi aí que eu soube!
Ele sorria. Tinha o universo nos braços e não havia nada que não pudesse oferecer-lhe. Podia dar-lhe a lua, podia dar-lhe as estrelas, podia dar-lhe qualquer coisa que ela quisesse. Ela não lhe ia dizer que não. Jamais o iria abandonar.
- Foi aí que eu soube que não bastavam as palavras bonitas, que não bastavam os presentes e os gestos carinhosos. Foi aí que eu soube que a tua perfeição jamais seria suficiente para mim.
O choque do seu rosto foi evidente quando as palavras dela o atingiram, fortes demais para a sua fragilidade. Ainda assim, ele não proferiu palavra alguma. Era mais um homem cobarde disfarçando a cobardia numa capa de silêncio.
- Eu queria amar-te. A sério que queria! Queria acordar e adormecer a pensar em ti. Queria pensar em construir todo um futuro a teu lado. Mas eu amo mais o incerto e o errado, amo mais a dúvida. Amo mais os estalos que a vida me dá para me atirar ao chão e a minha força para me levantar. Amo mais poder ser senhora dos meus próprios passos, cair em abismos, amar e não ser amada de volta, mas amar de facto!
O Destino olhou para a Saudade sem compreender. Como podia ela deixá-lo assim? Como podia ela escolher ser, não só saudade, mas também solidão?
A Saudade corou e ergueu de novo os olhos, pousando a mão na face do Destino.
- Segui-te e fui tua mas não te amei. Não te amei porque fugi de ti e descobri as trevas. As trevas são um lugar triste para viver mas, quando surge uma luz, por mais pequena que seja, ela ilumina-nos. Não só por fora, mas também por dentro. Aquece a alma e não só o corpo.
Ele não podia aceitar. Por isso, foi embora e a Saudade ficou finalmente sozinha. Fechou os olhos, sorrindo, e atirou-se para o abismo. Pertencia a um mundo muito diferente do dele! Não queria o universo. Queria apenas um pouco de paz.
Então, sentindo a liberdade invadi-la, a Saudade proferiu baixinho um nome do seu passado, vislumbrando, na escuridão, o rosto eternamente jovem da Esperança. E a paz veio nesse sopro e esse sopro mudou o mundo e o mundo chorou. Não chorou a Saudade ou o Destino, nem mesmo a separação dos dois. Chorou a recordação por ser o derradeiro raio de luz no meio de uma tempestade chamada vida.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

sábado, 19 de setembro de 2009

As cores da amizade

Enquanto o vento passar pelo nosso rosto e pudermos olhar para o lado e sorrir uns aos outros, a vida continuará a fazer sentido.

Colori o céu, esta manhã. Colori-o de saudade. Uma pincelada de dor, outra de harmonia, todas de azul. Num canto, desenhei uma nuvem. Uma nuvem branca e cinzenta. Concreta. Atrás dela, criei nuances de bege, laranja e amarelo. O sol. Colori o céu em pinceladas de tempo. Porque, se não houvesse tempo, não podia pintar o céu de azul e ele continuaria a ser negro.
Deixei a minha tela a secar no jardim dos meus sonhos. O meu jardim, habituado ao preto e branco de sempre, ganhou um pouco de cor e sorriu-me.
Então, sentei-me na relva seca e cinzenta da minha imaginação, fitei o meu quadro e sorri.
O vento soprou e eu olhei em redor. Ali estavam eles, a olhar para o meu quadro azul. Para o meu céu, para a minha esperança. Olharam para mim e sorriram-me. Sorriram-me como se importasse eu ter pintado o céu em tons de índigo.
Todos eles traziam na mão uma espada de luz, nos olhos um brilho de estrela, nos braços um abraço pronto…
Então, as flores pretas do meu jardim ganharam cor, sem que fosse preciso pintá-las. A relva ficou mais fresca e o cheiro a terra molhada inebriou-me os sentidos. Cheirou também a canela e coco. Depois a alfazema e menta. Depois a tomilho. Cresceram as rosas. Não rosas brancas e negras. Rosas rubras, escarlates como a própria paixão.
E eu senti-me rica. Senti-me feliz. Senti que, no mundo, a felicidade tinha, de facto, muitas formas.
Mas o facto de eu estar ali, num mundo de cores e luz, não tinha muitas formas! Tinha apenas uma: a forma de três guardiões, num trio da mais profunda amizade.
E foi por isso que, no meio de um devaneio que não tenho a certeza de ter sido um sonho, pensei para mim, no silêncio da madrugada, que enquanto o vento passar pelo nosso rosto e pudermos olhar para o lado e sorrir uns aos outros, a vida continuará a fazer sentido.
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Para a Marta, o João e o

Marina Ferraz

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A terceira vela

Era uma das coisas que ela odiava. Não ser original. Não fazer as coisas de maneira diferente dos outros, ainda que, para isso, tivesse de errar.
Talvez ela não se importasse com o que os outros pudessem pensar. Ou, na verdade, talvez ela se importasse, mas estivesse habituada a isso e já nada a pudesse atingir. Talvez tivesse apenas caído demasiadas vezes e soubesse que conseguia levantar-se, ainda que demorasse um pouco.
Com um sorriso no rosto, ela reinventou a mentira mais comum dos Homens e disse que estava bem quando não estava. As pessoas engoliram a mentira porque, de alguma forma, era mais fácil acreditar nela.
Cansada dos seus próprios erros, envolveu-se em clichés dos quais saiu ainda mais magoada. Mas ela não era uma pessoa vulgar, ainda que cometesse os mais vulgares erros. Ela era uma pessoa que acreditava que o amor fica no lugar onde começa. Era a pessoa que queria provar que ela própria estava errada. A pessoa que estava disposta a tentar amar de novo, ainda que tivesse de se destruir para isso.
Talvez por esse motivo, os seus erros tinham um sentido diferente à medida que os cometia. Nenhum deles deixava de ser original. Nenhum deles a tornava igual a ninguém. Cada toque, cada beijo, casa passo que dava, isento de sentimentos... Eram erros infernais e todos a faziam ser o pior que podia. Todos eles a tornavam um monstro. Todos eles lhe pertenciam.
Nesse dia, ela soprou as velas. Não porque fosse o seu aniversário mas, simplesmente, porque era uma data especial para ela. Soprou as velas e pediu um desejo. O seu desejo esteve longe de tudo o que as pessoas pudessem pensar. Não pediu nada para si.
Quando apagou as velas, a escuridão abateu-se. Não havia outra fonte de luz. Mas ela não estava perdida porque aprendera a viver nas trevas.
Estava sozinha. Não era seu costume mas, naquele momento, sentia-se verdadeiramente só. Reacendeu as velas e apagou-as de novo. Depois acendeu-as, uma vez mais, apenas para as tornar a apagar.
Cansada de tentar encontrar esperança no fumo - o mesmo fumo que a rodeava há muitos anos - pegou no telemóvel. Era um cliché, sim! Mas ela não se importou! Escreveu uma mensagem a dizer que, depois de tudo, o amor permanecia nas suas veias, correndo pelo seu corpo.
Nunca enviou essa mensagem, mas compreendeu finalmente que se enredara demasiado nos seus próprios conceitos de amor, liberdade e alegria… que procurara, de maneiras extremas, algo que encontrara há muito tempo atrás.
Compreendeu tudo. Como se a chama que acabara de apagar se acendesse na sua alma e lhe iluminasse a mente. Ainda o amava. A ele. Ainda o amava como no primeiro dia em que o vira. Amá-lo-ia para sempre. E não era cliché. Era simplesmente verdade. Uma verdade que podia permanecer tanto tempo como a sua promessa. Algo que podia e iria durar “Sempre e Para Sempre”©.

Marina Ferraz