Fazemos assim. Quando a roda do ano terminar e se iniciar a quinta estação, dás-me um beijo no rosto. Dizes-me até já. Sais de mansinho. Não olhas por cima do ombro. Não hesitas. Não tropeças nos pés nem no choro. Levas os cravos que colhemos. Saberei.
A Primavera nasce. O alvorecer das flores e dos aromas de sol já convida para o mundo que abriga pássaros. Apaixono-me levemente. Pele vazia que se preenche, a pouco e pouco, do sensorial daqueles saltos leves na escada. Ruguinhas breves junto aos olhos que somam histórias do desconhecido. Tocas-me. Vento feito em brisa. E arrepias de mim todos os descontentamentos. Eu, que tinha caído no chão – folha caduca e amarelecida – verdejei. A Primavera nasce. Não preciso de ti na Primavera. Mas penso que seria muito triste essa experiência de haver trilhos lavados de pegadas e deixar neles só as minhas. Seria triste haver carpas e cães e ovelhas e bichos-pau e não haver um riso comum a fazer música. Seria triste haver uma violeta pousada na varanda e só eu lhe lembrar o nome. Haver uma semente de abacate a despontar e ninguém celebrar o rasgo do caroço e o começo da vida. Haver uma praia plantada à beira-Verão e luas crescentes e ninguém largar os grãos de areia para afagar cabelos soltos nas ondas de uma maré qualquer.
Talvez o Verão seja melhor para a solidão. Aguardemos.
O Verão. Corda na escarpa do tempo. Um aroma leve de erva-limão. Sal na pele e histórias de ilhas distantes. O atirar de memórias para dentro de malas cheias. Terminais de viagem e o começo da aventura. Convites para o nascer do sol, no pousar de um pássaro de ferro. Braços envoltos na procura pelas terras que ficam dentro. Desconhecer profundamente a órbita dos universos paralelos que se alinham. Celebrar o passar da vida com uma chamada à meia-noite e bailar até que o sapato de cristal e os tetos de vidro quebrem. Simultaneamente. Planos construídos no sonho bom do ser-se. O Verão virá. Não preciso de ti no Verão. Mas penso que seria muito triste que o calor viesse e ninguém dissesse que é bom passear pelas falésias. Transplantar um bonsai e não haver quem lhe afague as folhas, esperando que se adapte à terra nova. Passar pela árvore e arrancar um só fruto.
Talvez o Outono seja melhor para cair. Aguardemos.
O Outono. Serras repletas de vermelhos e amarelos e laranjas. Sabores torneados à roda do fogão. Filmes em telas grandes e sistema de som, no rolar dos créditos finais. O aroma das castanhas e o riso pendurado das frases. O marcar de mais um ano no calendário, com um poema a muitas mãos. Trincar salsa entre os dentes e lamber o chão com os pés, agora largos. Afundar raízes para agasalhar o corpo do frio. Um aproximar dos corpos e das almas. Chuvas torrenciais e um reflexo bom na janela. Fogueiras acesas com lenha-fruto. Fruto de horas de floresta e sol frio. Reconhecimento e orações feitas de cogumelo e abacate. Caldos e sopas quentes no escuro das horas. Não preciso de ti no Outono. Mas penso que seria muito triste o frio aproximar-se e encontrar-me desagasalhada de sonhos. Haver cogumelos nas lojas e ninguém que partilhe os segredos do cultivo da promoção. Haver poesia e ninguém para a transformar nas folhas perenes das árvores do eterno.
Talvez o Inverno seja melhor para arrefentar. Aguardemos.
O Inverno. Árvores caídas que são calor. Folhas que são alimento. Alimento que é terra. Romances que ardem. Canções feitas com as receitas que as avós deixaram ao partir. Viagens e palavras que são motor. Bombons nas badaladas. Copos de vinho especiados. Narrativas e planos para a roda do ano que gira. Risos. Naufrágios sobre a textura coelhada dos lençóis. Sestas vesperais. Línguas saciadas com promessas além-fronteiras. Palavras ditas com olhos ponteados de verde. Não preciso de ti no Inverno. Mas penso que seria muito triste que o cansaço viesse e não tivesse ombro para se encostar. Bons filmes lembrarem marmotas e relógios e ninguém se rir. Os pés precisarem de cuidado e ocuparem só o espaço basilar da desimportância, sem que ninguém os escalde. Amigos reunirem à mesa e ficar uma cadeira vazia.
Fazemos assim. Quando a roda do ano terminar e se iniciar a quinta estação, dás-me um beijo no rosto. Dizes-me até já. Sais de mansinho. Não olhas por cima do ombro. Não hesitas. Não tropeças nos pés nem no choro. Levas os cravos que colhemos. Saberei. Mas gostava que fosse só lá. Na quinta estação. Não preciso de ti em nenhuma das outras quatro. Mas seria triste que fosses na Primavera, no Verão, no Outono ou no Inverno. Há tantas coisas para fazermos nessa roda... Se puderes, vai na quinta estação. Dizes-me até já. E eu fecho os olhos, devagarinho, enquanto a minha melhor amiga vem. Me tapa com lençóis verdes. E cumpre a promessa.
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