Nasci em Junho. Perdoem o narcisismo, mas começo o ano no mês do meu nascimento. O meu aniversário, esse não-feriado, foi, ao longo dos anos, mais um ponto-espelho de tudo o que vai indo de mal a pior com o mundo. Uma espécie de segundo Natal, que começam a celebrar ali à roda do dia da mãe e do 13 de maio... e que alguém acenda uma velinha, que de milagroso este texto nada terá... como bem sabem as entidades competentes, ou eu já teria sido vítima de um qualquer “acidente”...
Peço muitas vezes que não me deem presentes de aniversário pelo meu nascimento. Logo eu, que insisto em celebrar ao longo de 7 dias! Quero a pessoa presente e não o presente da pessoa. Quero como dádiva a partilha do momento e não o momento da partilha em dádiva. A pouco e pouco, desvalorizo tudo o que é físico. Sinto os objetos a comerem espaço nas divisões, como quem calcorreia o meu pensamento com uma catana.
Este é o dia em que presentes colocados nos meus dedos gratos entoam a sentença anual da nova corrida pelo gasto. Essa que me desgasta. Ainda mal passou o dia de abrir os olhos e já compram martelinhos e farturas de São João, compram as caríssimas férias no Algarve ou no estrangeiro, preparam tudo para garantir a melhor prenda do dia dos avós e gastam fortunas com o regresso às aulas. As lojas ajudam! Dizem que ajudam... Agências de viagens com promoções bombásticas. Entidades de crédito que dão todas as facilidades para qualquer eventualidade, incluindo a sua viagem de sonho. Lojas de roupa que garantem que nenhum jovem entre na escola usando – olhem que horror! – a roupa da coleção passada.
Começam as aulas e é hora de preparar o Halloween. Já há decorações e filmes novos no cinema. Já há fatos de fantasia. Já se vê nas ruas uma ocasional saia com morceguinhos, um chapéu de bruxa, dentes de vampiro, sem abrigo (ups, desculpem, texto errado...). E é importante que se comece a preparar o Dia das Bruxas ainda em setembro, sem esquecer as flores e velas para os cemitérios no Dia de Todos os Santos, porque em outubro as lojas têm de se organizar para o Natal. A época mais bonita do ano, onde tudo tem brilho e cor... principalmente as grandes corporações que guardam as moedas e notas verdinhas dos contribuintes: esses alienados que não sabem bem como pagar a renda e os impostos, mas investem fortemente nas decorações mais festivas e nas prendas mais dispendiosas. Folhetos e catálogos dão-nos promoções e sugestões e preços imbatíveis... a superficialidade está cara, mas os cupões ajudam! E, para os mais arrojados, aproveitar os preços de Natal para programar o Ano Novo também não está mal pensado, que é um gasto a mais para se ter um gasto a menos!
Vira o ano. 3, 2, 1!!! Feliz ano novo! O ano é novo, mas o hábito é velho... não se perca tempo, que é preciso fazer a reserva ideal para o dia dos namorados, não vão os restaurantes esgotar as suas mesas e levar ao término do amor puro e eterno de dois entes, que morrerão se não fizerem uma refeição inflacionada e mal servida.
Mas não! Não nos demoremos a pensar no amor, que amor é por quem nos deu a vida e é preciso comprar a prenda do dia do pai! E pensar que abril também está à porta e que é preciso compensar os nossos afilhados e explorar os nossos padrinhos, comprando ovinhos e amêndoas e coelhinhos, e consolas e smartphones novos. Os mais interventivos podem até aproveitar o embalo para comprar já os cravos plásticos para o 25 de abril que - sabe-se lá como! - conseguiu também tornar-se um feriado comercial. A ironia de se pagar a liberdade com liberdade... ficando sem ela.
A roda do ano anda bem oleada e vamos seguindo de compra em compra. Um crédito. Um crédito para pagar o crédito. Um crédito consolidado para ajudar com os vários créditos. Ginástica financeira impossível. E impostos que são sempre aliviados para o 1% que poderia pagá-los... e intensificados para quem se mata para os pagar. Contas vazias. Ilusão de conquista, prenda a prenda. E uma realidade que nos prende. À roda. A mesma. Aquela que interessa só aos que têm Natal todos os dias e a quem nunca falta nada!
Começamos a comprar o nosso funeral no dia do nosso nascimento e, mesmo assim, como salienta Fisher citando Fredric Jameson e Slavoj Žižek, "é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo". Olho o ano... poderíamos montar tenda nos centros comerciais, para ao menos poupar em combustível (já que voltou a subir!). É que até Cristo – dizem – morreu e ressuscitou passado três dias... só o filho da puta do capitalismo é que parece ser imortal.
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Marina querida, tu bem sabes que adoro os teus textos e este vai mesmo no sentido certo direito ao coração do sistema, a sociedade do super-consumo que nos leva a comprar tudo o que não precisamos, porque sim, porque os outros tb o fazem e há sempre os que nunca querem ficar para trás (?). Como te entendo e me revejo no teu pensamento. Um dia hei-de contar-te a minha luta contra tudo isso. Beijo grande.
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