Porque é que acenderam luzes mais fortes e insistem em ouvir música aos berros?
A pergunta tem um eco em mim. Repete-se, como o toque do telefone da recepcionista, que parece desocupada, mas não o atende.
Porque é que acenderam luzes mais fortes e insistem em ouvir música aos berros? Porque é que não atendem o telefone? Se o telefone toca, deve ser para atender.
E porque é que ninguém parece importar-se que tenham acendido luzes tão fortes? Ou que insistam em pôr a música aos berros? Ou que não atendam o telefone?
A mulher tem uma criança de três ou quatro anos. A criança bate com o copo de plástico na mesa. Impaciente. A mãe lê a revista. Folheia-a de forma estranha. Uma página adiante. Duas para trás.
Porque é que acenderam luzes mais fortes e insistem em ouvir música aos berros? Porque é que não atendem o telefone? Porque é que a mulher não diz à criança que não deve bater com o copo? Porque é que a mãe folheia sem ler, como se não quisesse acabar de ler?
E já passam dois minutos da hora da consulta. Se atrasar mais de dez, de certeza que já apanho trânsito. Raios! Ainda tenho de ir trabalhar. E porque é que a recepcionista não atende o telefone? Por este andar, quando chegar a casa, vai ser tarde. Se calhar não janto para adiantar as coisas. Mas estou com fome. Já estou com fome. Será que o espaço das empadas ainda está aberto? Fica a caminho… e já ia “jantada”. Mas normalmente não há onde estacionar. Melhor não. Vou perder mais tempo! Como quando chegar a casa. Ou não. Vamos ver a hora a que chego. Talvez seja só mais um bocadinho.
Meu… Porque é que acenderam luzes mais fortes e insistem em ouvir música aos berros? Porque é que não atendem o telefone? Porque é que a mulher não diz à criança que não deve bater com o copo? Porque é que a mãe folheia sem ler, como se não quisesse acabar de ler? E o que é que o raio do médico está a fazer? Palavras cruzadas?
Olha! Se calhar aquela revista tem palavras cruzadas. Sempre me entretenho. Também devem ser só uns minutinhos…
Uns minutinhos.
O atenuar das luzes. O esvanecer da música. O telefone que para de tocar. O copo que já não soa a bomba. A mulher que desaparece do campo de visão.
O médico chama. Não ouço.
10. Vertical.
"Pessoa com síndrome de caraterísticas sensoriais e sociais divergentes". 7 letras.(*)
O médico volta a chamar. Mais alto. Acorda-me.
Se não tivesse só 6 letras, acho que a resposta era essa... O meu nome.
(*) Lembremos que Abril é, também, o mês de consciencialização sobre o autismo
Se quiserem adquirir o meu novo livro "[A(MOR]TE)"
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Um texto que só poderia ser escrito por uma autista! Para aceitar é preciso conhecer ,e para isso o indicado é ouvir os próprios
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