"Descalça vai pera a fonte/Lianor pela verdura;/Vai
fermosa, e não segura." (Luís de Camões)
Ninguém quer saber como é que Lianor vai para a fonte. Da
beleza, se a tem, vulgar e corriqueira, num mundo de posters gigantes com
modelos de elite, dirão talvez um piropo, se não houver à escuta agentes de
autoridade. Dos pés descalços, se assim os leva, terão somente juízos. Alguns
dirão que é pobre. Outros dirão que é louca. E outros dirão que a pobreza não é
desculpa e que a loucura não é doença. Da segurança, essa que não tem, ninguém
falará. Ninguém fala do que é importante, com medo que as palavras tornem real
a realidade. É a mente tacanha das gentes: essa que teme mais falar do monstro
do que ser por ele atacada.
Ninguém quer saber como é que Lianor vai para a fonte.
Ninguém quer saber dela. Poderia ir calçada e ser feia. Poderia ir pelo asfalto
em vez de seguir pela cama verde dos prados. Não importa. Não importa como vai
para a fonte. Não importa onde vai. Não importa quem é. Num mundo onde se acumulam
pessoas nesses nichos centrais chamados cidade, há muito pouco que importe a
quem quer que seja. Então Lianor não terá um poema moderno, sem rima nem
métrica. Não será atirada para prosa fraccionada, amontoada e díspar.
Continuará lá: eternamente indo para a fonte onde ia nos dias em que a sua
beleza era rara e a sua segurança importava a alguém.
Hoje não! Ninguém quer saber como é que Lianor vai para a
fonte. Provavelmente Lianor nem vai à fonte. Só disse que ia. Talvez se vá
encontrar com o namorado no café. Talvez vá fumar um cigarro à revelia dos
pais. Os pais que serão, talvez, os únicos que se importam em saber onde ela
vai... embora também eles já não queiram saber como.
Sob os pés, a erva verde que pisa de pés descalços canta
poemas de outros tempos. E Lianor, moça jovem de espírito, criança de
pensamento, mulher de corpo e intuito, pisa-a inconsciente de que a terra
cante. E, como não se acha bonita de pés descalços, ignora a mensagem constante
dos tempos idos e bebe da desatenção dos tempos modernos. Nem ela quer saber
como vai para a fonte. Só quer ir. Possivelmente porque os outros foram.
Possivelmente porque os outros não foram e ela quer provar-se diferente da
maioria. Seja porque for...
Ninguém quer saber como é que Lianor vai para a fonte. Não
vai segura. Ninguém a sabe formosa. Dela ficam os passos sobre o verde do
caminho. Não vai segura. Se acaso morrer perguntarão, talvez pela vez primeira:
como é que Lianor foi para a fonte? Mas não haverá resposta. Apenas silêncio.
Houve o tempo das palavras. E ele passou...
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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Li os versos de Camões e pensei que seria uma releitura do poema,mas não,mais um vez me surpreendeu com tuas palavras.Lianor,a de hoje, é uma pessoa comum,como nós,que esboça um sorriso falso ante a falsidade do mundo em que se encontra.Lianor vai à fonte se quiser ir,vai como quiser ir e ninguém liga,pois Lianor não traz nada que demonstre o que a sociedade quer ver.
ResponderEliminarAdorei :)
Beijinhos Jenny ^.^