Chovem-me os dedos. Lágrimas de tinta. Onde? No papel. Neste
papel. Chovem. Cada gota é uma tempestade. Cada tempestade é um olhar seco
pelas avalanches do mundo. Deste mundo. Cínico. Arrogante. Perdoa-me.
Apetece-me pedir perdão ao mundo. Mas o mundo não perdoa ninguém.
Chovem-me os dedos. Lágrimas de tinta. Que escorrem.
Delineando palavras. Concretos de coisa nenhuma, saídos do pensamento tosco de
mim. Não consigo. Hoje não consigo. É um universo de sentidos presos, à procura
das frestas entre a minha sanidade. Infiltrando-se nas rachas da racionalidade
moribunda do meu eu. Perdoa-me. Apetece-me pedir perdão à lógica itinerante dos
tempos. Mas é a triste verdade. Ela não perdoa ninguém.
Chovem-me os dedos. Lágrimas de tinta. Delas, cria-se o rio
das ideias maceradas no silêncio de mim, na solidão do eu, na cegueira dos
eternamentes. Criei as ideias sozinha. Mãe solteira dos pensamentos.
Chamaram-me meretriz. E fui. Rameira das gentes que não me pagaram o bastante
para compensar todas as formas como me corromperam. Não pagaram. Mas deram-me
as ideias. Delas foram progenitoras ausentes. Renegaram-nas. E fizeram de mim
filha única dos tempos e mãe sozinha de pensamentos presos às raízes do que me
torna, também a mim, gente. Apetece-me pedir perdão às pessoas. Mas as pessoas
não perdoam ninguém.
Chovem-me os dedos. Lágrimas de tinta. Se queriam calar-me a
voz, deviam ter-me cortado as mãos. Como fazem aos que roubam pão e fruta. E
pedaços de dignidade. E tectos sob os quais dormir. Como cortam a esses. Porque,
os que roubam ouro e diamante, esses permanecem de mãos cheias, atadas ao corpo
roliço que não serve para nada, alimentando-se da pobreza alheia, anafando-se
nela e dela tirando o provento dos dias por devir.
Deviam ter-me cortado as mãos. Deviam! Se queriam calar em
mim as palavras, deviam tê-las cortado. Porque os meus dedos chovem. Lágrimas
de tinta. E elas gritam. Como um recém nascido, faminto e que não sabe ainda de
onde sugar o néctar da vida. Gritam e continuarão a gritar. Até que me cortem
as mãos.
Chovem-me os dedos. A dor. Lágrimas de tinta. E revolta-me a
indignação que os faz chover, como se dentro de mim fosse sempre Inverno. Não
consigo parar. Não quero parar. E, porque magoa, apetece-me pedir perdão a mim
mesma. Mas eu já não perdoo ninguém desde que os dedos me chovem.
*Imagem retirada da Internet
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adorei! parabéns!
ResponderEliminarEsse foi um dos textos mais impactantes que eu já li vindo de ti,principalmente porque sinto que representa um pouco do que sinto neste exacto momento,aqui,hoje,meus dedos chovem como tempestades ininterruptas e sinto-me apta a escancarar as marcas que tanto magoam e ferem as pessoas.
ResponderEliminarSimplesmente amei <3
Beijinhos Jenny ^.^