Sobre a minha cama existe um tecto. E, em cima dele, mora
alguém que lhe chama chão. Amontoados nas prateleiras mais ou menos organizadas
do mundo. Falando sobre andar lado a lado, à medida que nos empilham, até
estarmos todos uns em cima dos outros e promovendo dietas saudáveis para verem
se ocupamos menos espaço. É assim que vamos. Porque é mais fácil. Dizem.
O chão da vizinha, que é o meu teto, não prima pela
espessura concreta do isolamento. E, por isso, sei quando o bebé chora e a
forma como o choro do bebé se abafa com o ligar do aspirador ou de um qualquer
canal de televisão no volume máximo; atirando palavras que misturam o cansaço
do dia e a irritação noturna. Iniciam-se discussões que duram até ao bater da
porta. Não sou eu, és tu que és difícil. Ele acha-se fácil. E diz isso.
Fugindo dos sons, os passos caminham pelo espaço limítrofe
das calhas da porta, fechando com cautela a dita, para que, batendo, não acorde
o bebé que se embalou nos gritos maternos. E encontra-se o toque, mais ou menos
feito de gelo, de um vento que, vindo de Norte, traz consigo Invernos, seja em
que estação for. E respira-se geada amanhecida. Continuadamente empoada, pelos
traços nocivos de um fumo que desaparece. Perfume de asfalto alcatroado e de
borracha queimada. E um toque putrefacto proveniente dos contentores que
medeiam as prateleiras de gente da cidade. E o carro que virá, pela madrugada,
com o som meio soprado e contínuo que lhe é caraterístico. A vida torna-se,
assim, mais fácil. Digo eu.
Não há estrelas cadentes no céu. Mas fico à espera de ver
passar lixo galático e universal, formando um risco ilusório no céu para pedir
desejos. Também dos desejos o dizem. Que são fáceis. E são. Na sua utópica
fantasia, onde tantos passados se enterraram, os desejos têm a facilidade da
não concretização agarrada aos seus tornozelos oníricos. E é fácil. Ou é o que
dizem.
No sol nascente, existe o cinzento colorido a fogo que traz
uma esperança renovada. Para quem dormiu. Eu não. Mas, para quem dormiu. Para
quem tem a sorte de tetos mais espessos ou chãos menos permeáveis. Para
esses, ele é a renovação da esperança, e tem possibilidades à espera, na hora
da tigela de cereais com leite. Essa que se corta, com faca ou tesoura, no
local onde permanece a indicação de abertura fácil. É o que diz. Fácil. Mas já
alguém abriu um pacote de leite pela abertura fácil, sem recorrer a objetos
cortantes e três graus de impaciência?
Entro. Na minha prateleira. Para comer os meus cereais
saudáveis. E cumprir os desígnios. Os de ocupar menos espaço no mundo.
Enfezando-me e empilhando-me junto aos outros seres enfezados e empilhados.
Dizem que é difícil escrever. Eu não concordo. Acho que é difícil calar os
pensamentos. Esses que nascem, aos poucos, talvez entranhados de palavras ocas
e cheiros nauseabundos. Dizem que é difícil pensar. Não é. É fácil. Como a
abertura pré-estabelecida de um qualquer pacote de leite.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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