terça-feira, 26 de maio de 2015

Forte


Eu nunca aprendi a ser forte. As camadas da minha pele nunca calejaram no fechar das feridas. A minha alma nunca deixou de sentir o abalo nos confrontos com o mundo. Não. Eu nunca aprendi a ser forte.

Mas aprendi a escrever.

Aprender a escrever foi quase como aprender a ser forte. A escrita deixava-me fazer tudo o que as pessoas nunca deixaram. Viver no meu mundo de fantasia. Dizer o que penso. Explicar quem sou e o que gostaria de ser no centro do universo onírico desta realidade que desprezo. Escrever permitiu-me ser aquilo que ninguém queria que eu fosse. Permitiu-me ser eu. E, no universo imenso das folhas de papel, eu deixei os medos pender, um pouco, na algibeira e deixei-me voar na minha fantasia louca, maior do que a humanidade e todas as suas guerras, maldades e conflitos.

Eu nunca aprendi a ser forte. Houve sempre fragilidade nos gestos e instabilidade nos alicerces que me mantinham de pé. O meu coração nunca aprendeu a manter-se firme. Habituou-se à dor. Foi apenas isso. Nunca aprendi a ser forte.

Mas aprendi a pintar.

Aprender a pintar foi quase como aprender a ser forte. Significou, primeiro, deixar páginas ganhar outras tonalidades. Não querendo fazer dos cadernos, já tão cheios de poesia, a minha única tela, aprendi a pintar o rosto. Descobri que era mais fácil sobreviver aos dias com o contorno negro dos olhos e os lábios de sangue vivo. Descobri que, pintando, me enquadrava melhor. Pintar foi descobrir a arte da camuflagem que me permitia passar despercebida no centro de um mundo de aparências. E, com a tinta e os pós e os cremes era mais simples ausentar-me do recipiente inócuo do meu corpo e viajar para o lugar onde podia ser eu, sem artifícios nem subterfúgios.

Eu nunca aprendi a ser forte. Permeando os traços rudes da minha debilidade, nunca houve mais do que instantes de satisfação que me traziam a ilusão de que podia lutar e sobreviver. A ilusão não bastou. A alma não soube ser firme. O coração não soube ser uno. Eu nunca aprendi a ser forte.

Mas aprendi a fingir.

Aprender a fingir foi quase como aprender a ser forte. Sentir a mágoa e esboçar um sorriso. Sentir o chão e abrir as asas. Sentir o medo e erguer o rosto. Descobri que as pessoas não se importam com a fraqueza, com a fragilidade, com a  tristeza. Descobri que as pessoas se importam apenas com o que é imediato, superficial, visível. E, embora o coração quebrado não soubesse ser uno, ensinei-o a fingir que o era. Embora a alma, estilhaçada e dormente, não soubesse libertar-se dos traços débeis do sentir, ensinei-a a fingir que sabia. Embora o rosto sentisse as lágrimas tatuadas, criando linhas de treva sob os olhos, ensinei-o a sorrir abertamente. Ergui o rosto. Enfrentei o mundo de frente. Fingi.

Eu nunca aprendi a ser forte. Aprendi a escrever, a pintar, a fingir. Aprendi a sobreviver, a fugir, a viver. E escrevendo, pintando, fingindo, aprendi ainda outra lição: o motivo pelo qual, por entre as agruras da vida, não pude aprender a ser forte é porque se pode apenas aprender aquilo que não se sabe. E eu sabia. Sabia ser forte. Forte o suficiente para criar mundos de fantasia. Forte o suficiente para me camuflar no centro da realidade fútil e desprezível do mundo. Forte o suficiente para erguer a muralha e usar a máscara. Eu nunca aprendi a ser forte. Nunca precisei de aprender. Nasci assim. Com a robustez de um exército no coração quebrado e na alma estilhaçada que, talvez por serem tão fortes, preferem o desalento eterno à aceitação crua e cega do que todos tomam por certo.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

3 comentários:

  1. Acho que também não aprendi a ser forte,apenas finjo ser tanto quanto me permite a vida,mas nasci sabendo ser forte para enfrentar esse mundo perdido em mentiras vãs e despropósitos.
    Adorei seu texto,marcante,impactante e verdadeiro,como sempre é :D
    Parabéns querida,beijinhos Jenny ^.^

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  2. Fiquei sem ar, ou melhor sem palavras.
    Texto realmente forte e verdadeiro.
    Parabéns.
    http://tecontopoesia.blogspot.com.br/

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  3. Muito forte este texto! A mensagem é lúcida e reflectida...Parabéns, Marina

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