Os meus olhos choveram. Abri a
barragem que travava as nuvens da alma. Então, os meus olhos choveram. Choveram
como chove a chuva quando cai, sem se importar com quem vê, embora eu me
importasse. O meu rosto ganhou fios negros, maquilhagem escorrendo em finas
cascatas negras de tristeza. E, fazendo o gesto de quem pretendia limpá-las, a
voz disse: é a maneira como anda o mundo,
não é?
Incêndios que consomem florestas. Pessoas bombardeadas por mísseis e fome. Direitos que se perdem. Gente que vive sem teto. Gente que tem os filhos arrancados dos braços. Doenças que comem até o osso da esperança. Palavras de ódio gravadas nas paredes. Ameaças. Almas baleadas sem razão aparente. Lares que amolam vidas até que sucumbam. Preconceito que se estende e espalha. Alheamento e desistência. Mares que deixam pessoas doentes. Negociações nas mãos manipuladoras dos fidalgos. Mais uma mulher assediada, violada, morta na esquina da vida. O enterro da arte e da cultura às cinco da tarde, com missa de corpo presente à meia-noite no santuário da desventura.
Fazendo o gesto de quem pretendia limpar as lágrimas, a voz disse: é a maneira como anda o mundo, não é? Mas tudo isto me correu a mente. E eu afastei o rosto porque não o quero limpo. Porque estou farta da maquilhagem. Porque estou falta da secura da abstração e do teatro diário, com paredes aplaudindo o hercúleo sorriso. A pergunta. Tão honesta, tão sensível. A pergunta. Tão compreensiva e abnegada. A pergunta. Humilhando-me. Como gostaria que fosse o mundo, que não fosse egoísta, que não fosse pena de mim...
Incêndios que me consomem. Eu, bombardeada por ideias que não são míssil nem fome. Eu, e os direitos que vou perdendo. Eu e o teto com as suas rachas. Eu, com o futuro arrancado dos braços. Eu e o osso da esperança roído. Eu, e as palavras de ódio que gravo nas minhas próprias paredes interiores. Ameaças. Alma baleada sem razão aparente. Vida amolada até sucumbir. Preconceito, alheamento e desistência. Mares que, distantes, que me adoecem. Negociações nas mãos manipuladoras dos outros. Ser mulher sem esquina em que me matem. Ver o enterro da arte e da cultura às cinco da tarde, com missa de corpo presente à meia-noite no santuário da desventura.
Percebo que vejo o mundo do meu centro. Que sou o centro do mundo. Que sou o mundo. A árvore arde e eu ardo com ela. O bombeiro morre e eu morro com ele. A pobreza alastra e eu alastro nesse rio de mágoas. E sou tão egoísta que me choro – a mim – em cada coisa.
Por favor, acusem-me deste egotismo! Perguntem-me: é a maneira como anda o mundo, não é? Permitam que eu saiba que sou só mais um bicho saído da caixa de Pandora. Mas, peço-vos. Por tudo o que seja sagrado para vós... não tentem limpar-me o rosto. Não ousem limpar-me as lágrimas.
Levem a mão à vossa própria face. Ainda está seca? Porquê?
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