terça-feira, 29 de julho de 2025

Jogos equilibrados

 


Quando tens uma mente agitada, todos os momentos são de análise. Não importa se está calor. Se estás na praia. Se a companhia é boa e levaste um livro. Não há nada que te distraia do mundo, da injustiça, da triste realidade que se abate diariamente sobre ti. Não é só o cartaz sorridente da menina que se candidatou à câmara do teu município, provavelmente para o limpar dos ratos ou para incentivar crianças violadas a manterem a gestação. É tudo. A conversa da pessoa que passa a defender o genocídio com o “não foi Israel que começou”. A rapariga a ler na toalha em permanente estado de alerta e que se encolhe um bocadinho sempre que passa um homem a falar mais alto. O jogo de... vólei?!... que acontece à tua frente e que te lembra a realidade da mulher na sociedade de hoje.

 

Atentai, senhoras e senhores, penso com ironia, ao jogo mais equilibrado de todos os tempos! De um lado temos quatro homens, físico relativamente treinado e experiência de jogo. Do outro, sete raparigas, todas pequenas e jovens – a maioria não terá mais de um metro e quarenta e a mais velha (a única mais velha) não terá mais de treze ou catorze anos, enquanto a mais nova não terá mais de seis ou sete. Jogo equilibrado, julgam eles! Estou absolutamente certa, porque os ouvi, à chegada, dizerem: vocês fazem uma equipa. Para equilibrar forças, certo? Condescendentemente, até permitem que elas, não sendo um jogo formal, possam dar mais de três toques na bola, enquanto eles – coitados! – têm de se ater às regras.

 

O jogo começa. Eles passam a bola com facilidade uns aos outros e por cima da rede. Elas atrapalham-se na confusão de ter gente demais em campo e algumas – normalmente as mais baixinhas – nem chegam a tocar na bola. Ocasionalmente, quando uma atravessa o campo e embate no campo deles, entreolham-se e permitem que elas marquem um ponto.

 

Claro! Todos se riem. Estão bem-dispostos e divertidos. Elas também. Tento pensar, dentro dos meus calções de ganga e t-shirt oversize preta - nada contra o bikini que tenho por baixo, mas as nortadas portuguesas transformam frequentemente a praia numa experiência de crioconservação! – que estou a ser demasiado crítica.

 

Penso-o assim: Eles estão a divertir-se, por que raio é que isto me incomoda tanto? Estou a ser demasiado crítica. E estou. Raios! Não faz de mim nada boa pessoa, pois não? Irrito-me comigo própria. Mas, depois, penso melhor. Não é o jogo que me irrita, mas a metáfora. Irrita-me que se equilibre o jogo da vida quotidiana com estratégias que não dão qualquer vantagem à mulher, servindo apenas para dar argumentos aos homens. Como assim, estás em desvantagem? Vocês eram mais e até vos permiti regras mais suaves? A falta de espaço para agir, a falta de altura para competir, a falta de força e de experiência... nada disso é olhado. As falsas vantagens cobrem a desvantagem óbvia com uma capa de condescendência. Como a mulher que tem sorte em ficar em casa com os filhos porque o pobre do marido trabalha. E o sonho dela que se lixe. Como a mulher que trabalha na empresa X e até chega ao cargo que ambicionava. E as horas extra, o esforço extra, invisível. Como a mulher que caminha na rua, vestindo o que lhe apetece. E os riscos que corre, que se ignorem.

 

Uma vez perguntaram-me se o feminismo ainda era necessário. E eu respondi: cada vez mais. Ainda não sabia que o mundo iria para onde, atualmente, está a ir, e já o dizia. Hoje, não ser feminista, é ser conivente com um sistema no qual a mulher é aniquilada por estratégias diretas e indiretas. Diria uma grande amiga: é um mundo de homens que odeiam as mulheres. Eu acrescento, porque nasci com jeito para a advocacia de belzebu... com exceções, felizmente!

 

Seja como for, e sem querer estragar a diversão destas onze pessoas que jogavam algo que pretendia ser vólei na praia, fico à espera de jogos mais equilibrados. Mas eles não se equilibram sozinhos. Eu sei que gasto esta palavra... mas sinto a areia a correr vertiginosamente na ampulheta da vida, e sou fã de repetições. Lutemos, gente! Lutemos!


Marina Ferraz




Fiquem atentos ao meu Instagram para saberem todas as novidades em primeira mão!




Se quiserem adquirir o meu livro "[A(MOR]TE)"

enviem o vosso pedido para marinaferraz.oficial@gmail.com


 

Sem comentários:

Enviar um comentário