terça-feira, 4 de setembro de 2018

Um lugar para mim




Disseste-me. Adeus. Depois de todas as promessas. Mas eu sabia que as promessas eram palavras vazias. Vazias como a cadeira onde já não me sento. E sabia que me dirias. Um dia. Adeus. Como se nunca me tivesses prometido nada. Está tudo bem.



Quando me sentei na floresta, contei-lhe. Um coração partido que falava, sem voz. Tinham-lhe roubado a voz. E a música. Não havia música no meu coração há muito tempo. Talvez desde que os dedos que se demoravam nas teclas brancas e negras do piano se tinham dedicado a divagações ao longo da minha pele, deixando-lhe o aroma do carinho.

A floresta conheceu-me um coração sem música e sem voz. Mas falou com ele. E ouviu-lhe os queixumes de uma alma macerada nesse silêncio, onde havia sangue seco e hematomas e cicatrizes. “Ninguém as vê”. Foi isso que a floresta disse. E eu anuí. Sorrindo. Porque o sorriso faz parte de uma peça de teatro bem ensaiada que me esqueço de deixar em casa, mesmo quando vou à floresta.

Com um sentido desassossegado dentro dos ossos miúdos e uma intempestividade carente nos olhos que vertem, eu deixei, em silêncio, que a floresta me estendesse a brisa de braços nus e me envolvesse o corpo. Sinto sempre frio, desde que não há quem me agarre na noite. Sinto sempre noite, desde que não há quem me arraste para as sombras do sol.

Habituada a ser mãe, a floresta contou-me. Debaixo da terra há vermes. Passeiam junto às raízes. Sem sol. E, um dia, quando também eu for terra, eles estarão lá para me lembrar dos abraços anoitecidos de um amor poente. A vida passa. Um dia acaba. Um lembrete cheio de cuidados mornos, que tentava recordar-me de que eu não era um coração calado, sentado numa cadeira na floresta. Eu era um mar de possibilidades. Possibilidades que se multiplicavam se as pernas tivessem a força de me erguer e me levar pelos dias, numa direção que não a do hábito.

Quando me sentei na floresta, contei-lhe. Uma dormência que me picava as mãos. Como se o vazio entre os dedos as tornasse inúteis. Uma secura que me raiava os lábios. Como se o vazio do toque de outros os deixasse eternamente sedentos. Uma raiva que me enegrecia as veias etéreas do sonho. Como se o vazio entre os segundos se revelasse na lúgubre manifestação do eu.

A floresta disse. Não mais. Levanta-te. E eu não compreendi. Contei-lhe que me tinhas dito adeus. Depois de tantas promessas. Ela sabia. Ela já sabia. Ela sabe tudo. Mas não me abraçou com os seus ventos e miragens. Apontou-me os ramos de árvores viçosas e disse. Se a promessa dos homens se cumprisse, não estarias só nessa cadeira. Se a promessa dos homens se cumprisse, eu não estaria a definhar, aos poucos. Se a promessa dos homens se cumprisse, mais gente viria à floresta enumerar mágoas e venturas.

Minha filha. Disse ela. As promessas são um caminho para o que será jamais. Mas é quem se senta na floresta que sabe. O sol que se põe, nasce de novo. E a lua que mingua, renasce. E o Inverno dá lugar às flores da Primavera. Quem se senta na floresta sabe. Por isso vai. O teu lugar fica. E esta é uma promessa. Uma que cumpro, por não fazer parte do mundo dos homens.


Disseste-me. Adeus. Depois de todas as promessas. Mas eu sabia que as promessas eram palavras vazias. Vazias como a cadeira onde me sentei por um tempo, quebrada e vazia. Sem rumo.

Levantei-me. Da cadeira. Nela, ficou o meu lugar. Entre as árvores. E posso sempre voltar. Eu sabia que me dirias. Um dia. Adeus. Como se nunca me tivesses prometido nada.

Está tudo bem.

Há um lugar para mim na floresta.




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