Disseste-me. Adeus. Depois de todas as promessas. Mas eu
sabia que as promessas eram palavras vazias. Vazias como a cadeira onde já não
me sento. E sabia que me dirias. Um dia. Adeus. Como se nunca me tivesses
prometido nada. Está tudo bem.
Quando me sentei na floresta, contei-lhe. Um coração partido
que falava, sem voz. Tinham-lhe roubado a voz. E a música. Não havia música no
meu coração há muito tempo. Talvez desde que os dedos que se demoravam nas
teclas brancas e negras do piano se tinham dedicado a divagações ao longo da
minha pele, deixando-lhe o aroma do carinho.
A floresta conheceu-me um coração sem música e sem voz. Mas
falou com ele. E ouviu-lhe os queixumes de uma alma macerada nesse silêncio,
onde havia sangue seco e hematomas e cicatrizes. “Ninguém as vê”. Foi isso que
a floresta disse. E eu anuí. Sorrindo. Porque o sorriso faz parte de uma peça
de teatro bem ensaiada que me esqueço de deixar em casa, mesmo quando vou à
floresta.
Com um sentido desassossegado dentro dos ossos miúdos e uma
intempestividade carente nos olhos que vertem, eu deixei, em silêncio, que a
floresta me estendesse a brisa de braços nus e me envolvesse o corpo. Sinto
sempre frio, desde que não há quem me agarre na noite. Sinto sempre noite,
desde que não há quem me arraste para as sombras do sol.
Habituada a ser mãe, a floresta contou-me. Debaixo da terra
há vermes. Passeiam junto às raízes. Sem sol. E, um dia, quando também eu for
terra, eles estarão lá para me lembrar dos abraços anoitecidos de um amor poente.
A vida passa. Um dia acaba. Um lembrete cheio de cuidados mornos, que tentava
recordar-me de que eu não era um coração calado, sentado numa cadeira na
floresta. Eu era um mar de possibilidades. Possibilidades que se multiplicavam
se as pernas tivessem a força de me erguer e me levar pelos dias, numa direção
que não a do hábito.
Quando me sentei na floresta, contei-lhe. Uma dormência que
me picava as mãos. Como se o vazio entre os dedos as tornasse inúteis. Uma
secura que me raiava os lábios. Como se o vazio do toque de outros os deixasse
eternamente sedentos. Uma raiva que me enegrecia as veias etéreas do sonho.
Como se o vazio entre os segundos se revelasse na lúgubre manifestação do eu.
A floresta disse. Não mais. Levanta-te. E eu não compreendi.
Contei-lhe que me tinhas dito adeus. Depois de tantas promessas. Ela sabia. Ela
já sabia. Ela sabe tudo. Mas não me abraçou com os seus ventos e miragens.
Apontou-me os ramos de árvores viçosas e disse. Se a promessa dos homens se
cumprisse, não estarias só nessa cadeira. Se a promessa dos homens se
cumprisse, eu não estaria a definhar, aos poucos. Se a promessa dos homens se
cumprisse, mais gente viria à floresta enumerar mágoas e venturas.
Minha filha. Disse ela. As promessas são um caminho para o
que será jamais. Mas é quem se senta na floresta que sabe. O sol que se põe,
nasce de novo. E a lua que mingua, renasce. E o Inverno dá lugar às flores da
Primavera. Quem se senta na floresta sabe. Por isso vai. O teu lugar fica. E
esta é uma promessa. Uma que cumpro, por não fazer parte do mundo dos homens.
Disseste-me. Adeus. Depois de todas as promessas. Mas eu
sabia que as promessas eram palavras vazias. Vazias como a cadeira onde me
sentei por um tempo, quebrada e vazia. Sem rumo.
Levantei-me. Da cadeira. Nela, ficou o meu lugar. Entre as
árvores. E posso sempre voltar. Eu sabia que me dirias. Um dia. Adeus. Como se
nunca me tivesses prometido nada.
Está tudo bem.
Há um lugar para mim na floresta.
Sem comentários:
Enviar um comentário