"Eu só queria uma segunda oportunidade.", disse
ela. E talvez fosse verdade. Mas, olhando-a nos olhos, eu não via alguém em
busca de uma segunda oportunidade. Via apenas alguém empenhado em aprofundar o
vazio, em alimentar a dor. Talvez por isso, olhando para ela, para os olhos
tristes e o rosto magro e pálido, eu não lhe acreditava nas palavras. Mas ela
repetia, claro, sempre da mesma forma insensata: "Eu só queria uma segunda
oportunidade".
No rosto dela havia o peso do passado, misturado nas linhas
velhas e severas de uma mocidade perdida na espera de um amanhã que ficou num
anteontem distante. As rugas da alma firmavam-se nos lábios que enrijeciam sem
sorrir e nos olhos que ostentavam o brilho das lágrimas gastas que, de tanto
terem caído, se mantinham agora presas no interior verde amendoado do seu
olhar, enquanto proferia essas palavras: "Eu só queria uma segunda
oportunidade."
Vi-lhe a amargura espelhada em cada fragmento do corpo. Vi-lha
nas mãos, que se davam uma na outra, pelo medo de nunca mais se darem a outras
mãos. Vi-lha na postura cabisbaixa, de ombros caídos. Vi-lha nos pés
balouçantes que iam e voltavam, sem parar, aguçando a agitação do coração
caótico. Mas vi-a mais no fervor com o qual repetia, neuroticamente aquelas
palavras: "Eu só queria uma segunda oportunidade." E, mesmo vendo a
amargura em cada recanto de si, eu não acreditava no que ouvia. Não acreditava
que ela quisesse, de facto, uma segunda oportunidade.
Pensei, claro, num silêncio só meu que talvez, mais tarde,
ela quisesse o que agora pedia, de forma mentida e leviana. Talvez um dia,
quando a sensatez desse lugar e espaço para ela pensar além das barreiras da
mágoa. Talvez aí... Mas foi um pensamento grosseiro e rude, porque eu sabia que
o futuro dela tardaria um pouco, tal como o presente tardava. Ela ainda estava
lá, no passado... onde desejava, não uma segunda oportunidade, mas a primeira
que nunca tivera de facto.
Podia ter-lhe dito isto. Podia ter-lhe dito que ela não
queria uma nova oportunidade, que as coisas que ela fantasiava ter vivido não
eram realidades mas antes memórias embelezadas e polvilhadas com pó da ficção.
Mas, por mais que as suas palavras não fossem reais, a mágoa era, então, não
lhe disse nada.
Então, ela dizia, sempre da mesma forma insensata: "Eu
só queria uma segunda oportunidade". Mas ela não sabia, como também eu, em
tempos, não soube e como tantas, tantas pessoas não souberam antes de nós. Ela
não sabia que era ela quem tinha de dar a si mesma uma segunda oportunidade.
Uma que dependia apenas dela. E então, como não sabia, ela repetiu, vez após
vez: "Eu só queria uma segunda oportunidade".
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Perfeito, assim como todos os seus textos! Parabéns!
ResponderEliminarlindo
ResponderEliminarmuito profundo sempre meche com minha censibilidade que faz com que lagrimas jonrem em meu rosto trazendo -as direto da alma...amo muito teus textos...
ResponderEliminarEstou seguindo o seu blog.
ResponderEliminarParabéns, o seu trabalho é extraordinário...
Siga-me também pelo networkedblogs...
Keep up your wonderful work alive!
I would like to thank you.
Daniel